segunda-feira, outubro 11, 2004

Libertação, precisa-se! (11 de Novembro de 2003)

O subscritor destas crónicas quinzenais assumiu recentemente o compromisso cívico de se ligar a um partido político, pelo que passou a correr o risco de os respectivos escritos periódicos serem qualificados como contrários à independência crítica.

Mas descansem todos quantos não querem ler colunas activistas. Espero nunca ceder à tentação do propagandismo, porque, mesmo militante, tentarei continuar a ser um homem livre. Desenganem-se, pois, todos quantos me tentarem enclausurar como porta-voz de uma qualquer coisa que me ultrapassa.

Antes de ser membro de um qualquer partido, já era português, já era liberdadeiro e já pugnava pelo nacionalismo liberal, defrontando todos os Dantas na nossa praça, alguns dos quais com academias privativas de viúvas. Esses que poderão continuar a denegrir-me como monstro, mas que não têm o direito de dizer que me criaram, porque, de facto não fui por eles criado, nem deles fui ou serei criado.

Vejamos algumas pequenas cenas do nosso quotidiano politiqueiro. Na cena número um, o Presidente Sampaio denuncia o escândalo do "numerus clausus" em medicina e grita "aqui d'el rei". Direi que estes alertas depois do facto consumado, com todo o lume da razão, soam a falsete. Alguma vez ele clamou previamente? Alguma vez ele ousou assumir o lume da profecia? Ele e todos os partidocratas que, cedendo aos corporativismos, nunca cortaram a direito, nem foram capazes de clamar o "ó da guarda" da profilaxia. Agora, importemos espanhóis, ucranianos, russos e chineses. E continuemos a deixar que a tecnocracia, a gerontocracia e os grupos de pressão decidam sobre a educação.

Na cena número dois, dez ou quinze mil estudantes universitários manifestam-se contra as propinas em Lisboa. O protesto tem mais a ver com a injustiça fiscal do que com questões de política educativa. Porque continua a pagar o justo pelo pecador. Porque a única lente que o Estado tem para analisar o isento acaba por premiar o evasor fiscal. Assim não há moralidade nem comem todos. A justiça sempre foi tratar desigualmente o desigual.
Cena número três: Sampaio, em Espanha, diante do rei de Madrid, critica o proteccionismo espanhol. Mas Sampaio não é o rei nem o presidente-rei. Tendo a força do povo, está condenado a fazer tapetes de Arraiolos para ser ouvido, quando devia exercitar poderes adequados à respectiva legitimidade. Não por causa dele, mas pelos votos directos que o elevaram a nosso máximo representante, sem os intermediários partidocráticos. O povo quer um presidente na sua plenitude e não um manequim decorativo. O presidente devia ser mesmo Portugal em figura humana.

Cena número quatro: Barroso e os deputados discutem o orçamento. De um lado, tudo bem. Do outro, tudo mal. O zé povinho paga o espectáculo. Tudo rábulas. Entre a "casette" cunhalista e o comício MRPP, com ex-MES a tentarem racionalizar. Se uns ministros riem, o povo grama.
Cena número seis: arquivado o processo das viagens-fantasmas dos deputados... "No comments". A única coisa que valia a pena era podermos consultar o arquivo. Com os nomes todos. Todos. Todos. Para que eles fossem menos secretos que os Arquivos da PIDE, do KGB ou da própria CIA. Aqui, o regime do segredo de Estado é mais silencioso do que as memórias de Rui Mateus. Mais silencioso do que o processo da Casa Pia e muito mais mentiroso do que o "muito mentiroso". Quantas estátuas não há com esses pés de barro!
Cena número sete: debate televisivo sobre a constituição europeia. Eram três que pareciam de um lado e outros tês fingindo estar do outro. Quase todos estavam no mesmo sítio. Em lugar nenhum. Entoando músicas celestiais, fingiram servir a dois senhores, para que os reverenciássemos. A maior parte destes discursadores, que se pensam donos do país, monopolizando a palavra, não conseguiram dar voz ao Portugal profundo nem ao futuro de Portugal. Usando o discurso de justificação, muitos continuam rigorosamente ao centro, para, amanhã, poderem saudar o vencedor e recolher os restos do futuro prato de lentilhas. À excepção de Jorge Miranda que conseguiu pôr certos pontos nos "ii", os outros, dando uma no cravo e outra na ferradura, tiveram medo de ser do contra. Os portugueses deviam ter atitude daquelas nações sem Estado que, como o País Basco e a Catalunha, sabem navegar, sem complexos, na União Europeia, para a defesa dos respectivos interesses nacionais. Porque a Europa não é a Constituição imposta pela locomotiva franco-alemã. A Europa pode ser o pretexto para a libertação das nações proibidas pelos mini-impérios que restam.
É mais importante continuar a tentar dar voz ao meu país das realidades, esse que continua a ser sufocado pelo atavismo do comunismo burocrático. Porque, no outro país, o do "faz-de-conta", há muitos eruditos que não são cultos.

Por mim, prefiro continuar a ser fiel à voz de meus avós, a peregrinar a raiz do Portugal portucalense. Seguir o exemplo dos soldados do Mindelo e da Maria da Fonte e recordar a virtude dos que, à maneira de Sá de Miranda, sempre foram de um só rosto, de um só parecer e que, para não torcerem, renunciaram às delícias da sociedade de Corte.

A direita e a esquerda a que chegámos são dois rostos de um "mais do mesmo", de um sistema que entrou em degenerescência, onde o que domina são os fantasmas de direita e os preconceitos de esquerda.

Posso defender a democracia, mas estar contra o sistema, reclamando que o sistema obedeça ao espírito do regime. Por isso, importa cumprir as promessas não cumpridas do programa original do 25 de Abril de 1974. Porque, os outros dois "dd" têm que ser reinventados, com um novo conceito de desenvolvimento e um novo modelo de descolonização.

A palavra libertação volta a ser necessária. O sentido de resistência torna-se urgente. Contra o país oficial dos "jobs for the boys" e dos "boys for the jobs", contra o país dos compadres e das comadres.

Importa ir ao fundo de nós mesmos, crescer para cima e crescer por dentro. Ir ao Infante D. Pedro e reformular o Estado, como um verdadeiro concelho em ponto grande. Colocar o pacto de associação acima do pacto de governo e reformular o pacto de constituição. Dar sociedade às pessoas e fazer emergir o Estado da Sociedade.

Voltar à liberdade natural, assumir a justiça, ser radicalmente igualitário, para que o "português à solta" volte a rimar com a pátria. Ir mais fundo, aos factores democráticos da formação de Portugal. Com Jaime Cortesão e Fernando Pessoa, Herculano e Pinheiro Ferreira, Ribeiro dos Santos e Velasco Gouveia.

Isto é, não temer ser excêntrico face ao sistema, para poder ser concêntrico quanto ao país, para parafrasear Luís Mousinho de Albuquerque. Ser como sempre fui: conservador nos princípios, conservador do que deve-ser, contra o conservadorismo do que está; reformista nas metodologias; e radical nos objectivos.

Estar aqui e agora e reagir contra a decadência. Perceber que o sistema entrou em espiral concentracionária. Porque, se antes de Abril de 1974, quando a soberania estava condicionada pelos grupos económicos, pela disciplina da subversão comunista e pela ameaça golpista dos militares, agora o medo deixou de guardar a vinha e, ocupando o vazio de poder, outros interesses perderam a vergonha da pressão manifesta.

Não estou nem nunca estive à direita desta esquerda instalada, nem me apetece ficar à esquerda desta direita do estado a que chegámos. Nem, muito menos, estou no oportunismo do rigorosamente ao centro. Porque outro tem que ser o jogo, outros os árbitros, outros os sorteios, outras as regras.

Basta fazer um furo no ovo, pôr a cabeça por cima do tronco e remeter os pés para o seu devido lugar. Dividir para unificar, voltar a dizer que só há unidade se se admitir a diversidade e não a confundir com a unicidade.

Portugal são estas algemas que nos libertam, oito séculos e meio de luz e sombras, este sonho a que livremente nos prendemos, e onde cada um dos portugueses pode, e deve, assumir-se como simples parte de um todo que será mais rico quanto mais a respectivas parcelas puderem mobilizar os que se excluem da cidadania.

É evidente que a salvação não acontecerá a curto prazo, remodelando este ou aquele ministro, removendo este ou aquele governo, extinguindo este ou aquele partido. Se a crise é tão profunda, o caminho da regeneração implica um investimento de longo prazo.

Só começando pelos princípios se poderá desencadear o princípio.

Sobre a demagogia dos que se pensam anti-demagogos (14 de Novembro de 2003)

SOBRE A DEMAGOGIA DOS QUE SE PENSAM ANTI-DEMAGOGOS
José Adelino Maltez


Dizem os manuais que o demagogo, na sua expressão grega primitiva, era apenas o chefe ou “condutor do povo”, sem qualquer sentido pejorativo, e, como tal, se qualificavam Sólon ou Demóstenes, intimamente ligados à defesa da democracia.

Contudo, a expressão sofreu uma evolução semântica, deixando de ser uma arte neutral, principalmente depois da morte de Péricles, em 429 a.C., quando surgiram novos líderes, não ligados às antigas famílias, os quais, a partir do século seguinte, começaram a ser fortemente criticados pelos adversários dos modelos democráticos.

Por causa disso é que a expressão ganhou a actual conotação: aquele que procura dar voz aos medos e aos preconceitos do povo. Ou, para seguir as palavras de Bertrand de Jouvenel: a arte de conduzir habilmente as pessoas ao objectivo desejado, utilizando os seus conceitos de bem, mesmo quando lhe são contrários.

Aliás, já em Platão (Politeia, livro V) o nome serviu para designar o animal que chama boa às coisas que lhe agradam e más às coisas que ele detesta. Do mesmo modo, em Aristóteles (Política, livro V), onde se acentuou que o demagogo utilizava a lisonja e os artifícios oratórios.

Já no século XIX, Lincoln chegou mesmo a assinalar que é sempre possível enganar uma pessoa; que é também possível enganar todos, mas de uma só vez; mas que é impossível enganar sempre todos.

Neste contexto, Max Weber, utilizando um conceito amplo de demagogo, incluiu em tal categoria o jornalista, referindo que o mesmo substituiu o púlpito. Porque, desde que foi instaurada a democracia, o demagogo é a figura típica do chefe político no Ocidente. Uma demagogia que, depois de se transmitir pela palavra impressa e através dos jornalistas, passou para a rádio e para a televisão.

Fiquei assim estupefacto quando um dos mais brilhantes artistas da demagogia moderna, o político Dr. José Pacheco Pereira, vestindo o seu hábito de jornalista de ideias, quis assumir-se como um monge da anti-demagogia, utilizando os métodos da mais caricatural escolástica. O brilhante comentarista, que tão weberianamente se desmarxizou, se for fiel à sua matriz de amigo da sabedoria, tem que meter a frase solta no contexto, a letra do texto no espírito do discurso, a parte no todo, a emoção na razão, a honra na inteligência e o sentimento na ideia.

Muito weberianamente dissertando, acrescentarei que a racionalidade tanto é a razão da acção racional referente a fins (Zweckrational), como acção racional referente a valores (Wertrational), a racionalidade em valor.

Na primeira, o indivíduo tanto é capaz de definir objectivos como de avaliar os meios mais adequados para a realização desses objectivos, numa acção social marcada pela moral de responsabilidade, onde o valor predominante é a competência. E aqui já nos situamos no campo do Estado racional-normativo ou do Estado-razão, onde domina a acção burocrática, aquela que faz nascer o poder burocrático, o poder especializado na elaboração do formalismo legal e na conservação da lei escrita e dos seus regulamentos, onde dominam a publicização, a legalização e a burocracia.

Na segunda, os indivíduos inspiram-se na convicção e não encaram as consequências previsíveis dos seus actos. É uma forma de actividade política inspirada por sistemas de valores universalistas, onde o agente actua de acordo com a moral de convicção, vivendo como pensa, sem pensar como vive, em nome da honra, isto é, sem ter em conta as consequências previsíveis dos seus actos, à maneira do que é comandado pelo dever, pela dignidade, pela beleza ou pelas directivas religiosas.

Poderei assim concluir que o jornalista dos púlpitos dominicais corre o risco de ser duplamente demagogo, mesmo que rejeite o lume da profecia e fique apenas com metade do conceito de razão.

Logo, apenas desejarei que, de regresso em regresso, não regresse em demasia, passando para o estreito conceito de púlpito da santificada inquisição.

Pior ainda quando trata de usar os métodos dos seminaristas georgianos e dos jornais de parede da revolução cultural, esses que, retirando frases do contexto, condenaram os adversários à fogueira da diabolização adjectiva.

Os efectivos amigos da sabedoria, como o Dr. José Pacheco Pereira, porque só sabem que nada sabem, não podem parecer que têm o monopólio da inteligência, do caminho, da verdade e da democracia. Se meterem a frase no texto, o texto no contexto e a letra no espírito, certamente confessarão que se enganaram. Homens livres, livram-se dos ódios e têm a coragem de vencer o preconceito.

Orlando Vitorino, presente! (21 de Dezembro de 2003)

O recente falecimento de Orlando Vitorino obriga-me a que, aqui e agora, preste uma breve homenagem a um dos últimos representantes do movimento da "Filosofia Portuguesa". O autor de Introdução Filosófica à Filosofia do Direito de Hegel, Lisboa, Guimarães Editores, 1961, da Exaltação da Filosofia Derrotada, Lisboa, Guimarães Editores, 1976, e da Refutação da Filosofia Triunfante, Lisboa, Guimarães Editores, 1983, sempre olhado com desconfiança por certos universitários, cumpriu o seu dever de ter vivido como pensava e até teve a coragem de esboçar uma filosófica candidatura à presidência da república.
Coube-lhe a ousadia de lançar a primeira tradução portuguesa da Filosofia do Direito de Hegel, nos começos da década de sessenta do século XX, para, década e meia depois, também introduzir, entre nós, o pensamento de Hayek, O Caminho para a Servidão, Lisboa, Teoremas, 1977.
Bastavam estas duas iniciativas para lhe assegurarem um lugar perene na cultura portuguesa e para se compreender a razão do respectivo isolamento, e até da própria condenação ao silêncio.
Ele tinha compreendido que "os gregos chamaram cidade ao que nós chamamos Estado" e "chamaram política ao que nós chamamos Direito". Por isso, proclamou que "Portugal é simultaneamente um Estado e uma Pátria". Definindo a nação como "o conjunto das gerações ‑ passadas , presentes e futuras ‑ de portugueses", considerava a pátria como "a entidade espiritual de Portugal", que "exprime‑se, existe e perdura na língua, na arte e na história".
Como Orlando Vitorino, também assumimos a república como "a coisa pública que reúne o que é comum interesse, virtual ou manifestamente imediato, de todos os portugueses". E que o Estado não passa da " efectivação do Direito ‑ na Nação, na República e na Pátria ‑ segundo a Verdade, a Liberdade e a Justiça".
Logo, também subscrevemos que "a Nação, a Pátria e a república carecem de um poder real destinado a defender a sua perduração e a assegurar a positividade daquilo que, segundo a definição dos Princípios constitucionais, a cada uma delas é próprio. Esse poder é o Estado"
Como poucos, compreendeu que "o direito grego foi sistematizado por dedução do princípio da verdade". Que "o direito romano por dedução do princípio da justiça". E que "o direito moderno por dedução do princípio da liberdade".
Foi, por isso, um neoclássico, portuguesmente enraizado, e só dele poderia ter vindo o pioneirismo na recuperação da ideia liberal no último quartel do século XX da "pequena casa lusitana". Obrigado, Mestre!

A ameaça catelhana e a oligarquia das bestas (23 de Dezembro de 2003)

Qualquer observador isento consegue notar que, no último quartel do século XX, Portugal passou, do sonho imperial, à claustrofobia de um pequeno quintal europeu, com esta sensação de nos termos minimizado como um "pequeno Estado", sempre em risco de se tornar mais uma província do Estado espanhol e de se diluir no grande espaço liderado pela locomotiva franco-alemã.
Na verdade, cada europeu passou a estar dependente de dois centros: o do Estado clássico e o do novo pólo supra-estadual, para onde se vão transferindo directamente os poderes tantos das velhas comunidades, pela via da cooperação política, como dos próprios cidadãos, através da integração política, surgindo novas lealdades e expectativas, com os consequentes conflitos de sonhos e frustrações.
Emergiu assim uma unidade nova, sem Papa, sem Império e sem totalitarismo, misturando "a hegemonia dos mais fortes" com "o consentimento real dos menos fortes", segundo as proféticas palavras de Raymond Aron. Uma tensão entre as tendências centrípetas, que apelam para a associação de povos e para a soberania divisível, em nome de um novo pólo, e as resistências centrífugas, que preferem a associação de governos, a soberania indivisível e a regra da unanimidade.
Infelizmente, no plano doméstico, talvez ainda permaneça aquilo que Fernando Pessoa qualificou como a atávica "oligarquia das bestas" que marca os nossos sucessivos devorismos, sendo impossível mobilizar a memória dos setembristas de Passos Manuel para que permanentemente se denunciem tanto os Cabrais como os seus bastardos fontistas, mesmo que as inevitáveis Convenções do Gramido nos continuem a condicionar.
Logo, os portugueses que não são meros "ovençais" das ministeriais figuras, os que não querem continuar "bonzos", entre "endireitas" e "canhotos", como se direita e esquerda fossem posições ontológicas, só passíveis de benzeduras teológicas, têm de continuar a lutar contra todos os despotismos
Só os que querem ser cegos, surdos e mudos é que não reparam na circunstância das nossas oligarquias instaladas terem perdido a vontade de independência nacional. De outro modo, no Congresso da Justiça, ter-se-ia discutido o papel das multinacionais do direito como conselheiras privadas dos negócios de Estado, apesar dos muitos visíveis periscópios o denunciarem. De outro modo, perceberíamos que as recentes compras do capital castelhano têm a ver com a crescente independência da Catalunha e do País Basco, hábeis na navegação nos mares confusos do europeísmo e da globalização, e que está próximo um 1640 ao contrário, com a cobertura dos novos senhores do mundo.
Só quem nada percebe de grupos de pressão e de grupos de interesse é que não entende o processo de actuação dos serviços secretos estrangeiros em Portugal, onde, em vez dos mitificados espiões, opera a simplicidade da "pay list", onde se acantonam intelectuais corruptos, professores vendidos, gestores partidários à procura de financiamento não registável, ou rapazinhos de província que, chegados à classe política, depressa são afogados pela lisonja da diplomacia do croquete.
Para cúmulo da confusão, alguns dos mais destacados agentes da compra do país são os mesmos que assumem publicamente o paradigma do patriota, do anti-corrupto e do intelectual impoluto. Nas águas turvas do negocismo e da política, o crime continua a compensar. Só que a maioria dos portugueses talvez tenha, como preço, o não ter preço.
E pode acontecer que um "anticomunista primário", como o subscritor destas linhas, se veja obrigado a subscrever as conclusões de um recente artigo de Miguel Urbano Rodrigues, publicado no "Avante": "o exemplo de firmeza, coerência, coragem e lucidez dos nossos compatriotas que há seis séculos tornaram possível a vitória de uma grande revolução democrática e nacional pode e deve ser um estímulo na luta contra a ameaça à soberania nacional que acompanha a progressiva colonização do país pelo capital espanhol. Aquilo que não conseguiu pela força das armas, tenta a Espanha de Aznar e das transnacionais obtê-lo agora pelo poder do dinheiro. A Resistência a esse projecto imperial anuncia-se como um dos maiores desafios que o povo de Portugal enfrenta neste início do século XXI".

O governo dos espertos (4 de Janeiro de 2004)

Ano novo sem vida velha, só para quem sabe que a esperança não rima com medo. Importa, pois, mudar. Crescer. Para cima e para dentro. Importa regenerar, para vivermos como pensamos. Sermos liberdadeiros, para nascermos, de novo, todos os dias.
Começando com estas mensagens que enviei aos mais próximos amigos, durante esta chamada época de festas, regresso à quinzenal intervenção jornalística, dizendo que julgo saber analisar laboratorialmente a vontade de poder dos que dizem querer "salvar a cidade", apenas a pensar na paróquia, no quintal, na casa, na bolsa, na barriguinha, na inveja ou nas vaidades. E que talvez entenda o libidinoso de muitas ânsias "dominandi", o dogmatismo de acaciana pacotilha, bem como o indisfarçado desejo quanto à imposição de um paradigma único, que elimine as dúvidas do pensamento e nos dilua na corrente dos que pensam vencer na história.

Reconheço, com efeito, que vivemos em autêntico regime do "governo dos espertos", para utilizar a qualificação dada por Hannah Arendt ao modelo austro-húngaro e otomano, onde os burocratas destes regimes imperiais, ao contrário dos agentes do totalitarismo, apenas exerciam uma opressão externa, deixando intacta a vida interior e gerando uma espécie de "domínio perpétuo do acaso", na qual o agente imperial tinha a ilusão da acção permanente, não se notando a vivência dos princípios gerais de direito por detrás dos decretos.

Ora esta lógica decretina, também assumida pelo salazarismo e pelos salazarentos permanecentes, pouco tem a ver com a essência igualitária e justicialista da democracia representativa e pluralista, a qual não admite excepções para qualquer corporacionismo que tente restaurar um foro especial ou um sistema privativo de privilégios, imunidades e isenções.

Volto assim ao aqui e agora. Sem pensar em Moderna e em Minerva. Na Casa Pia ou na lista dos pedófilos prescritos, do PSD, do PP e do PS. Porque mesmo quando desaparecem os sinais exteriores e institucionais de repressão, dos autoritarismos e totalitarismos, pode manter-se o subsistema de medo que infra-estruturalmente mantinha aqueles aparelhos e sustenta alguns dos figurões florentinos de outrora, esses que continuam a florear, de forma revisionista, em lugares oficiais de hoje.

A culpa da escravatura, como dizia Beaumarchais não cabe apenas aos tiranos, mas também aos que não promovem a revolta dos escravos, só porque têm "medo da liberdade", segundo Erich Fromm. A liberdade não é apenas vítima daqueles que a atacam, mas também daqueles que a não defendem.

O tirano é sempre um produto da "servitude volontaire", como dizia Étienne La Boétie, tem apenas o poder que se lhe dá, esse poder que vem da "volonté de servire" das multidões solitárias. "N’ayez pas peur!"

Aliás, nem todos os "antifascistas" são democratas, tal como nem todos os ditos democratas são "antitotalitários". Porque, como dizia o mesmo Erich Fromm, "o poder não é produto da força, mas filho bastardo da fraqueza".

Não devemos aceitar a humilhante mediocracia do escravo, bem como que nos coloquem na categoria dos tolerados, agradecendo aos vencedores a mercê de não nos terem assassinado. Aliás, os mesmos, sempre dependentes do equilíbrio mecanicista do situacionismo, nem sequer admitem a hipótese de alguém cultivar a insolência do excêntrico, chamando extremistas a todos quantos, muito regeneradoramente, pela irreverência, procuram o concêntrico, quando exigem a necessária eliminação das raízes do apodrecimento situacionista.
É por isso que o direito se confunde crescentemente com um legalismo frouxo e hipócrita. Que a justiça é medida pela espada retaliadora da vingança do vencedor. Tal como o sentido cívico tende a degradar-se pela contabilidade hipócrita dos que são condecorados só porque assinaram o livro de ponto da obediência conformista.
Esses pretensos moderados que, vindos da extrema-esquerda ou dos bancos do poder salazarista, se assumem como o paradigma do bom europeísta e do excelente aliado do amigo do norte-americano, são, por vezes, capazes de desencadearem as diabólicas tenazes que desgrenham as instituições, quando estas não lhes fazem os jeitos, usando golpadas assentes na mais mísera das demagogias, actuações em que são pródigos pretensos marechais do espírito, mantidos pelo decretino da tentação burocrática e que ainda têm a desfaçatez de continuarem a dedilhar a lira da modernidade, quando não passam de simples repetição de outros tantos "adesivos" e "viracasacas".

Apenas dura aquele que obedece a princípios, e não aquele que cantarola princípios, pensando que tudo é uma questão de semântica. Apenas consegue superar a conjuntura quem se entrega a uma corrente de pensamento e que, sem fazer o discurso da caricatura institucionalista é efectivamente institucional, dado que procura servir uma ideia de obra e integrar-se numa comunhão com outros, companheiros ou camaradas, que partilham as mesmas crenças e que obedecem às mesmas regras do jogo.

A Canalhocracia e a Nova Inquisição (7 de Abril de 2004)

Tendo o defeito genético de nunca haver alinhado com as sucessivas modas ideológicas que, por isso mesmo, passam de moda, cometi, há muito, o pecado de rejeitar as direitas situacionistas que nos continuam a desgovernar e a intelectualizar. Pior ainda: não costumando participar no sindicato dos elogios mútuos dos chamados intelectuais daquela direita que convém à esquerda e que mexem solitariamente a respectiva idiossincrasia de rancorosa inveja pelos bares do Bairro Alto, também aprendi a desobedecer aos rebanhos discipulares fomentados por aqueles ministros e deputados de Salazar e Caetano que aconselham e beneficiam do presente sistema.

Não admira pois que reaccionários me acusem de pedreiro-livre e que super-centristas me atribuam o qualificativo miguelista, não faltando os coitadinhos que me voltam a injuriar como da extrema-direita, quando os fascistas quimicamente puros me repudiam como democrata e as permanecentes vacas sagradas do "ancien régime" me denunciam como radical. Vacinado por toda esta diabolização inquisitorial, dos que se julgam com capacidade de transformação do nome na coisa nomeada, rir-me-ia da comédia se ela não revelasse a tragédia da nossa acaciana pequenez mental.

Também conheço o catedrático polvo que insinuou minha pertença ao "Opus Dei", junto de altas instâncias, tal como já detectei o pindérico "formiga branca" que, perto de alguns jesuítas, semeou outras histéricas inimputabilidades sobre o meu "curriculum", cujos pormenores continuam, aliás, "on line", sem censuras ou revisionismos.

Ora, quem sempre repudiou o despotismo dos caceteiros apostólicos, as tácticas do devorismo, a roubalheira cabralista e a canalhocracia dos Fontes e Lucianos, tem que continuar a denunciar os bufos e legionários infiltrados na nossa pretensa intelligentzia sistémica.

A mentalidade bonza que nos continua a dominar e nos vai querendo manejar pela técnica da distribuição do subsídio e pelo cacete do controlo da informação, principalmente pelo manejo dos adjectivos inquisitoriais, afinal apenas admite que possam emergir amestradas rapaziadas de endireitas e canhotos.

Tudo se tem agravado nos tempos mais chegados, só porque cometi o crime de me ligar a um partido incómodo para o sistema. Dia a dia, tenho verificado como o rotativismo instalado da nossa partidocracia, o neocorporativismo dominante, o feudalismo desta economia privada sem concorrência e a corrupção sistémica geraram a presente democratura.

Confesso que não fui "para França" para "descobrir o poujadismo", reconheço que, com verdade, me tenho dito e redito como um miguelista liberal, o que tem gerado a fúria dos candidatos a redactores da nova Syllabus que, ora denunciam o facto de ter participado num colóquio da Associação 25 de Abril em Grândola, ora clamam contra a circunstância de aceitar um honroso convite do Grande Oriente Lusitano, para dissertar sobre a influência da maçonaria no pensamento jurídico-político português, para, mais adiante, denunciarem que discursei a convite da Câmara Municipal do Porto sobre a presente ditadura da incompetência, ou que subscrevi um protesto dos meus companheiros do Movimento Cívico da Intervenção Radical, contra o actual processo de gestão da Procuradoria-Geral da República.
Apenas continuo a saber que os intelectuais orgânicos e idiotas úteis deste "status in statu", defensores dos situacionismos em crise, utilizam aparentes categorias de higiénica politologia, qualificando como "poujadistas" e "populistas" todos os que, assumindo-se como da oposição, também rejeitam a alternativa oposicionista que o rotativismo do sistema oferece.
Prefiro confessar, como certo professor meu, dos tempos de Coimbra, que "neste tempo de homens lúcidos, tenho a lucidez de me saber ingénuo".

Da Arte de Furtar à Reforma Universitária (4 de Novembro de 2003)

Da Arte de Furtar à reforma universitária

Por José Adelino Maltez

Há tempos, quando arrumava a minha biblioteca afectiva, reencontrei a antiga, mas não antiquada Arte de Furtar, obra publicada anonimamente, em 1652, com o subtítulo Espelho de Enganos, Teatro de Verdades, Mostrador de Horas Minguadas, Gazua Geral dos Reinos de Portugal.
Confirmei que aí se encontram palavras que ainda hoje nos permitem compreender os modelos mentais de todos os situacionismos, nomeadamente os barrosismos, os portismos e os sampaísmos.
Com efeito, "a Senhora Dona Política", sempre foi a tal filha da "Senhora Razão de Estado" e do "Senhor Amor Próprio". Ambos "dotaram‑na de sagacidade hereditária e de modéstia postiça. Criou‑se nas cortes dos grandes Príncipes, embrulhou‑os a todos".
Se, outrora, "teve por aios a Maquiavel, Pelágio, Calvino, Lutero e outros doutores dessa qualidade, com cuja doutrina se fez tão viciosa que dela nasceram todas as seitas e heresias que hoje abrasam o mundo", eis que, hoje, novos aios, com novos nomes, perpetuam a ditadura do "statu quo", do "politicamente correcto", do "culturalmente correcto", do "comunicacionalmente correcto".
Assim, todos podemos concluir que "todos falam de política, muitos compõem livros dela e no cabo nenhum a viu, nem sabe de que cor é". Ora, "a primeira máxima de toda a política do mundo que todos os seus preceitos encerram em dois, como temos dito, o bom para mim e o mau para vós".
Ao aceitar a regra de "viva quem vence. E vence quem mais pode, e quem mais pode tenha tudo por seu, porque tudo se lhe rende", neste ponto,"errou o norte totalmente, porque tratou só do temporal sem pôr a mira no eterno"
Descendo à realidade, apenas direi que, neste país quase imaginário, entre as muitas cabalas que nos infra-governam, começa a emergir um esboço ramificativo que semeia a intriga inquisitorial entre os fazedores de génios intelectuais, misturando invocações catolicamente santificadas com luteranas imprecações, para que se cacem subsídios e se semeiem padrinhos.
E assim se vai transformando a influência num autêntico polvo de ataques mentais, onde a estratégia do leninismo de extrema-direita se tem casado com as memórias estalinistas de alguns dos grandes mestres-pensadores do nosso tempo lusitano.
Quem, no lugar próprio e com escritos assinados e não publicitados, contestar directamente quem se senta no cadeirão mais alto, corre o risco de ser objecto das facadas dos pobres jagunços, que, assim, pagam a posta recebida, a bolsa conquistada e a pelingrafia publicada.
Estes idiotas úteis que se julgam formadores de opinião são particularmente virulentos para quem ameaça causar estragos na paisagem ideológica ou político-partidária que os mestres quiseram cenarizar, para melhor exercerem o controlo terrorista.
Aproveitando os interstícios do poder supremo, há assim muitos que nos querem assim infra-governar, mobilizando quem veio da extrema-esquerda e quem veio da extrema-direita e quer estar no centro do poder político-mediático, político-judicial, político-governamental, político-bancário, político-sacrista e político-editorial. Aliás, têm conseguido!

Juntando vários fundamentalistas, oriundos de fundamentalismos não-portugueses, não perdoam a quem, sendo convidado, não quis servir a seita, batendo nas portas com cartas escritas, preto no branco, nome no nome, adjectivamente substantivado em factos.

Na primeira janela de oportunidade que lhes apareça, os mandantes logo espicaçam alguns idiotas úteis, para estes elaborarem uma masturbação de adjectivos amedrontadores, enquanto, pelo caminho, vão sendo saneados todos os que lhes estavam dependentes e que apenas tinham vagas relações de amizade com o diabo a abater pelo pseudo-exorcismo exterminador.

Esta gente, que beneficiou com o salazarismo e que nada perdeu com o abrilismo, consegue que o mundo das orgias niilistas tenha aí um representante. Que o universo dos "tradutores em calão" da nova modernidade intelectual aí se sinta representado. Até porque os financiamentos parecem garantidos por quem vai criando organismos e organismos, conferências e conferências, leninismos e leninismos, como se precisássemos de um novo Quirino de Jesus, de um novo Alfredo Pimenta, de um novo padre Manuel Fernandes Santana, só porque abundam tipos com a sensibilidade de António Botto.

Até acrescentaremos que o contribuinte dá dinheiro demais ao chamado ensino superior, público, privado e concordatário, atendendo àquilo que tal conglomerado produz. Se não há universidades a mais, há um exagero de corporativismos que se recobrem com o título de autonomia, nome que dão a muitos feudalismos, assentes em manipulação eleitoral, caça ao subsídio e protecção dos incapazes.

Primeiro, porque os dirigentes ditos eleitos acabam por ser o produto de uma barganha, onde os interesses dos estudantes profissionais do associativismo é terem menos aulas, os dos funcionários é terem mais férias e os dos professores directivos é dividirem para reinarem. Segundo, porque haver apenas autonomia da despesa é continuar o regabofe onde quem gasta não paga. Terceiro, porque tudo é movido pelo carreirismo, dado que não há efectivos concursos nacionais para professores, estímulo à mobilidade, nem medição da qualidade que ultrapasse a fantochada da avaliação.

Querem reformar, acabem com os profissionais da reforma! Façam como na Irlanda e metam todos os estabelecimentos de ensino superior público dentro do mesmo sistema. Façam como na Itália, na Espanha e na França e exijam concursos efectivamente nacionais para a carreira dos professores. Façam como nos Estados Unidos da América e no Reino Unido e acabem com a estúpida distinção entre público e privado, criando "corporations", onde mesmo as faculdades públicas possam ter como sócios entidades profissionais e antigos alunos que controlem o forrobodó das eleições internas e das estúpidas ordens da hierarquia ministerial.

Não é privatizando o público e publicizando o privado que pode resolver-se o problema. O chamado interesse público pode ser exercido por entidades associativas, como são as ordens profissionais, em quem o Estado delega competências. Assim se aproximaria o ensino da vida prática e teórica, assim se poriam os estabelecimentos de ensino dito superior ao serviço da comunidade.

Portugal continua a precisar de indisciplinadores que nos façam regressar ao bom-senso.

Bush, Iraque e GNR (23 de Novembro de 2003)

Porque o "Euronotícias" quis morrer, que viva o "Tempo"! Onde prometo continuar a tentar ler estes "sinais" do dito, ao sabor do acaso e da necessidade que vão passando. Recomeço, aliás, chamando a atenção para o recente discurso do Presidente norte-americano George W. Bush, por ocasião da sua visita à Grã-Bretanha, no passado dia 20 de Novembro de 2003.
Quero, sobretudo, alertar para a maneira cobarde como em certos sectores da opinião publicada se está a encarar a participação dos nossos soldados da GNR no teatro de operações no Iraque. E julgo ter alguma legitimidade para esta atitude, porque critiquei, no tempo certo, o esquema "rambo" usado pelos norte-americanos, bem como o seguidismo do governo português face às directivas do nosso grande aliado. Por isso, quero aqui reclamar toda a solidariedade nacional para com os representantes da República portuguesa presentes no teatro do conflito.
Porque "my country, right or wrong". Porque nunca andei a clamar "nem mais um só soldado para as colónias". Porque sou capaz de subscrever alguns dos grandes princípios assumidos, finalmente, pelo presidente norte-americano, na sua recente homenagem aos fundamentos europeus dos princípios universais da democracia liberal.
Tal como disse Bush, "We believe in open societies ordered by moral conviction. We believe in private markets humanized by compassionate government. We believe in economies that reward effort, communities that protect the weak and the duty of nations to respect the dignity and the rights of all". Aliás, reconhecemos que só pode haver ordem, se não perdermos a ideia de termos "a mission in the world beyond the balance of power or the simple pursuit of interest".
Se compreendo a razão que o leva a largar a postura "cowboy" e a peregrinar Locke, talvez antes de chegar a Kant, nem por isso deixo de anotar que esta revisão do percurso ainda sabe a pouco, quando precisávamos que a política deixasse de obedecer às razões de Estado e passasse a ser pautada por um Estado razão.
A escola que escreve os discursos do Presidente George W. Bush e que, entre nós, apesar de algum colorido vocabular dos receptores, continua a ser a perspectiva dominante da pretensa cientificidade da política internacional, ainda faz, infelizmente, uma radical separação entre a moral individual e a moral dos Estados, salientando que esta é marcada pelo egoísmo, pelo interesse nacional e pela força.
Ora, o puritanismo desta ética protestante, quase repete os ditames de certa "razão de Estado" dita católica, que, desde Justus Lipsius, sempre justificou os beatérios autoritários, ao afastar a ética da responsabilidade da ética da convicção, e sempre aceitou que os fins poderiam justificar os meios, numa lógica dita dos "maquiavélicos defensores da liberdade", contra aquilo que se convencionou chamar o "império do mal".
Subscrevendo Raymond Aron, apenas direi que "considerar o poder como o objectivo único ou supremo dos indivíduos, dos partidos ou do Estado, não é uma teoria no sentido científico da palavra, mas uma filosofia ou uma ideologia".
Não é por "acaso" que os cristãos-novos do ocidentalismo, os que, há meses, se assumiram como os mais radicais defensores de um pretensa "Nova Europa", segundo as teses de Rumsfeld, são precisamente os mesmos que, agora, se conformam com as ordens do directório da "Velha Europa", marcada pelo ritmo da locomotiva franco-alemã.
A falta de realismo destes pretensos realistas, que não são marcados pela "necessidade" das convicções, demonstra como o maquiavelismo sempre foi mau conselheiro. Aqueles que parecem ter razão no curto prazo, só porque seguem as modas que passam de moda, logo a perdem no médio prazo, mesmo quando passam da visão "transatlântica" para o "continentalismo".
Aconselhamo-los, portanto, a não continuarem a lógica inquisitorial da denúncia salazarista, ou maoísta, mesmo que agora se recubram com o mato diáfano de uma democracia-cristã que não segue as reflexões de política internacional de João Paulo II.
Não é necessariamente anti-americano quem critica os erros da política externa norte-americana, nem tem que ser neofascista quem, tendo a legitimidade genética da direita democrática, não segue os ditames, não recebe os subsídios e até recusa as propostas de nomeação da nossa direita ministerialmente instalada.
Considero de mau gosto que se perspective a nossa participação na guerra do Iraque como um dos factores condicionantes da sobrevivência governamental, comparando-a com o caso da pedofilia, como se os expedicionários da GNR fossem meros mercenários e não soldados voluntários, ao serviço da República, através de uma instituição que tem como divisa o "Pela Lei e pela Grei".
Esses pretensos realistas, que tão má propaganda governamental têm feito, não reparam, sequer, que, em nome da política de "imagem, sondagem e sacanagem", eles são os principais responsáveis por este ambiente suicida, expresso pelas recentes sondagens, favoráveis ao regresso imediato de tal força. Apesar de ser um oposicionista inequívoco ao actual governo e de sempre ter considerada errada tal decisão de política externa, porque sei que não há democracia sem soldados, estou com aqueles que, nas areias de Nassíria, são, hoje, um dos necessários símbolos da nossa comunidade nacional.

O regresso do capitalismo de Estado (7 de Dezembro 2003)

O Portugal político, traumatizado pelas memórias contraditórias do autoritarismo e do revolucionarismo, continua, infelizmente, a viver em regime de activa esquizofrenia e de "pura irresponsabilidade política", onde quem quer assumir o monopólio do "tino político", fingindo dar um salto em frente, brinca aos candidatos presidenciais, para que ninguém possa discutir a questão europeia e a grave crise económica e social que se avizinha, resultante da pura incompetência dos nossos governantes. Porque controlar o poder sempre foi monopolizar a central de distribuição autoritária de valores e dominar o processo de canalização da opinião publicada, principalmente pelo uso do poder de veto, atribuído a certos grupos económicos que assaltaram a comunicação social desta pequena casa lusitana.

Estamos, com efeito, a ser submergidos por um processo de criação artificial de factos políticos, onde, se uns tratam de inventar a direita pura "do século XXI", qualificando-a como aquela que "faz a ponte entre o passado e o futuro" e que "sabe comunicar emocionalmente", através do "futuro da comunicação política”, para citar o deputado Gonçalo Capitão, apoiante de Pedro Santana Lopes, eis que outros, cultivando o silêncio bíblico, continuam a apelar à esquerda imaculada pelo renovado estado de graça de António Guterres e, quiçá, pela emergência de José Sócrates.

Resta saber o nome dos activistas da economia paralela que decidiram investir nos falsos profetas que apelam à fusão do partido de Paulo Portas com o de Barroso/Lopes e apoiam a campanha de credibilização do Bloco de Esquerda, para a destruição de um PS, que não pode apenas viver das investidas vocabulares do "pai-fundador" ou do eventual regresso do comissário Vitorino.

Assim, antes dos novos episódios do prometido enredo da pedofilia, tanto na versão Casa Pia, como na sua dobragem micaelense, o tal país do "faz figura" continua a ser um restrito palco por onde circula a classe político-mediática e onde o povo não passa de mero objecto de marketing, de exógena paisagem, para onde se fazem campanhas eleitorais e se emitem os telejornais das entidades que têm direito à transmissão dos jogos do "Euro 2004", a troco de homílias comentaristas de apoio ao governo.

Por outras palavras, continuamos a ser marcados pelo "conjunto d’os compadres e as comadres que constituem o país legal", como dizia Alexandre Herculano, pelo que, do "país da realidade", vem a constante da indiferença daquela massa de "brandos costumes", onde a fúria dos mansos pode explodir através da revolta populista ou do apoio a "césares de multidões", isto é, a experiências de poder pessoal encenadas pela demagogia do falso carismático e dos sucedâneos messiânicos.

O mal é antigo. Se em 1834 substituímos o frade do antigo regime pelo barão "usurariamente revolucionário e revolucionariamente usurário", segundo as palavras do desiludido Garrett, eis que, com o cabralismo, inventámos a nova classe dos burocratas, esse clientelismo estatizante do "comunismo burocrático", onde "burocracia, riqueza, exército" são "os três pontos de apoio da doutrina", e "centralização, oligarquia", "o seu processo", para citarmos Oliveira Martins.

Isto é, ontem como hoje, sempre o mesmo capitalismo de Estado, onde, em vez de se instaurar a liberdade e a responsabilidade económicas, bem como a efectiva autonomia da sociedade civil e um mercado com regras, domina o proteccionismo e o privilégio, assente no mal baronal, típico de todas as oligarquias partidárias geradas à boleia do poder, que até mantêm zonas de encomendação de grupos de amigos, relativamente aos grupos dominantes do situacionismo anterior.

Em todas estas situações sempre a mesma tendência neofeudal de alguém económica, social ou politicamente enfraquecido se colocar sob a protecção de uma certa personalidade ou de um determinado grupo, bem colocados que, a troco de fidelidade, lhe vão dar emprego estável, a avença compensatória, a facilidade burocrática ou o acesso a círculos íntimos do poder económico, social ou político.

Toda uma teia de aristocracias semiclandestinas que eleva a tradicional "cunha" aos requintes da tecno-estrutura, donde até nem escapam as manipulações laboratoriais de uns serviços secretos que deviam ser da República... portuguesa. Mas não há estados de graça que sempre durem nem pecados que nunca acabem...


Fascismo, poujadismo e outras coisas fétidas (8 de Dezembro 2003)

Certa pretensa "intelligentzia" proveniente da nossa extrema-esquerda, mas já pós-revolucionariamente instalada no situacionismo, essa que se dedica à "caça" às bruxas no espectro político lusitano, partindo de uma grelha abstracta que mistura classificações do pré-gaullismo francês com os fantasmas do nosso PREC, veio, recentemente, colocar a Nova Democracia "à esquerda" do fascismo, mas bem "à direita" dos governamentais, integrando o mais jovem partido português, que assume "a democracia liberal e de valores", na categoria do "neo-poujadismo fétido".
Sem querermos pôr em causa a pessoalíssima soberania da sensibilidade nasal de tais analisadores, apenas notaremos que os mesmos não têm o monopólio da leitura dos jornais franceses, onde entrou no processo de "agenda setting", a "grogne" dos 34 mil "buralistes", que já mereceu uma adequada reflexão de Nonna Mayer, directora de pesquisa do CEVIPOF. A nossa pretensa "hard left", que tanto gosta de "traduzir em calão" o "radical chic" do "français", deve notar que, além de não termos 1,5 milhão de pequenos comerciantes, somos dotados de uma ministra das finanças que foi objecto de troça do respectivo homónimo parisiense, por causa das desventuras do PEC.
Será também conveniente notar que, entre nós, nos começos do século XX, o tal "poujadismo" dos tendistas e pequenos industriais foi o campo de mobilização da Carbonária e do Partido Republicano Português, isto é, a base da nossa esquerda afonsista, republicana e laica, mas bem pouco socialista, até à emergência de Mário Soares.
Aliás, no congresso fundador da Nova Democracia, estiveram presentes, não apenas de forma simbólica, dois vice-presidentes da Internacional Liberal e um representante da "Democracy International". Não consta que tenham sido convidados um tal senhor Fini ou uma tal senhora Mussolini.
Contudo, alguns pretensos politólogos que, em tempos idos, eram iluminados pelos paraísos exóticos dos Che Guevara e dos Pol Pot, já, outrora, escrevinharam higiénicos "papers" de caça ao fascismo, chamando Jirinowski, Haider e Le Pen a quem foi gerado politicamente na luta contra o totalitarismo, durante o PREC. Os ditos cujos fazem, aliás, parte do sindicato de citações mútuas que continua a ser regiamente subsidiado pelos ex-companheiros ideológicos que ascenderam ao actual governo e que, ainda há pouco, escrevinhavam que a não-esquerda, crítica política externa norte-americana, era inevitavelmente "neo-fascista".
Esses derrotados do 25 de Novembro de 1975 que, noutra das respectivas facções, estão na base da cruzada "contra a globalização e o neoliberalismo", tanto não esgotam o campo de oposição à política financeira do actual governo, como não têm legitimidade para a emissão de certificados de bom comportamento democrático. Por isso cheira mesmo a fétido chamar "poujadista" a todo um largo espaço do espectro político que não alinha nos campos de mobilização dos irmãos Portas. Mesmo por cá, há mais mundos no mundo e talvez ainda possamos semear a esperança.

As velhas cabalas e a nova teledemocracia (18 de Janeiro de 2004)

Se misturarmos os meandros visíveis do processo da Casa Pia com o nervosismo dos pré-candidatos presidenciais, teremos de recordar que foi Salazar que, na inauguração do Secretariado da Propaganda Nacional, declarou que "em política o que parece é".
Mas, hoje, importa dizer um pouco mais: em política, só o que "aparece", nos grandes meios de comunicação de massa, é que se torna social e politicamente relevante. Daí que seja inevitável o nível de compenetração entre a classe política, a classe dos novos-ricos e a classe mediática. Compenetração que tanto gera coincidências como conflitos, com as inevitáveis relações de amor-ódio, especialmente nesta nossa democracia, cada vez mais emaranhada nas teias do videopoder, do Estado Espectáculo e da teledemocracia.
Podemos, pois, dizer, como nos povos primitivos, que o normal da chamada "conquista do poder" é a "conquista da palavra", dado que, também aqui e agora, manda aquele que pode discursar, aquele que, pela palavra e pela imagem, consegue transformar o "conceito" em "preceito", principalmente pelo controlo o programa de debates. Aliás, os tais que efectivamente mandam sabem que qualquer povo é "uma comunidade de significações partilhadas", pelo que procuram dominar a produção de símbolos, sabendo que quem manipula a palavra e os signos, quem controla a comunicação, controla o poder.
Se no Portugal Velho, que ainda marcou o salazarismo, quase tudo se resumia à família, à igreja, ao quartel e à escola, eis que os novos clérigos são cada vez mais os donos da agenda do videopoder e os anónimos fazedores dos dicionários de opinião comum, o thesaurus donde se retiram os argumentos, os conceitos, as interpretações dos factos e as palavras.
Com efeito, o púlpito foi substituído pela caixa televisiva, o comentador sucedeu ao retórico e o histriónico passou a dominar os novos "picaretas falantes", os que cozinham a salada russa ideológica do "politicamente correcto" que se impõe à moral do esforço interior de libertação, como manancial das regras de conduta justa.
Os velhos armazéns da memória de um povo, como eram a família, a universidade, o adro da igreja ou do pelourinho das comunidades locais, foram assim substituídos pelos arquivos de "fast food" dos chamados "opinion makers", os tais que traduzem em calão as ideias vindas de centrais de condensação neo-enciclopédicas com as suas "lendas negras".
O papel de controleiro e repetidor passou a caber aos canalizadores oficiosos da opinião, previamente demarcados por quem organiza o programa dos debates e que assim limita o âmbito das escolhas. Compreende-se, pois, como o anterior processo de luta política entre os grupos passou, de luta aberta, a luta oculta, onde, na nebulosa e nas brumas, conspiram sociedades secretas, sociedades discretas, grupos de amigos e muitas outras minorias militantes e feudalizantes, ao serviço de programas gnósticos, por onde circulam inúmeros idiotas úteis que executam sem nada saberem de programação.
É por tudo isto que Portugal, colonizado por forças exteriores e empobrecido por forças internas, se vai dessangrando em autonomia, em identidade e em consciência, tendendo para uma mediocracia. Porque, depois de uma crise do discurso sem sujeito (o tempo das ideologias dos anos do Maio 68), vivemos o espectáculo do sujeito sem discurso (o tempo do artista mediático, onde vale mais o continente do que o conteúdo).
A pluralidade de cabalas que produziu a presente ditadura dos fazedores da agenda mediática só pode ser superada se, aos grandes meios de comunicação de massa, puder ser aplicado o essencial da democracia pluralista, isto é o princípio do controlo do poder. Está em reconhecermos que todo aquele que tem poder tende, inevitavelmente, a abusar dele e que a única maneira conhecida de o impedir consiste no estabelecimento de "forças de bloqueio". De, para cada poder, entendido como acelerador, se municiar o aparelho com um contra-poder, funcionando como um travão.
Porque, na actual democracia portuguesa, os intermediários quase monopolistas da soberania popular já não são apenas os directórios partidários ou o parlamento, mas aqueles que montaram uma neopidesca e inquisitorial rede clandestina de informadores, ao serviço de projectos de poder pessoal, onde os crimes da bufaria e da chantagem têm compensado.
Aliás, algumas decisões fundamentais do sistema político passaram a ser tomadas a nível da face invisível da política, dando-se a convergência da união dos interesses económicos dos chamados parceiros sociais com o processo de holding não aparente dos financiadores do sistema partidário e das campanhas eleitorais.

Confesso que fiz greve (30 de Janeiro de 2004)

Com quase três décadas de oficial público, decidi, há dias, aderir, pela primeira vez, a uma greve, sem deixar de ser insidicalizável e de direita. Dei a aulinha, escrevi no sumário que cumpria um serviço mínimo, para não defraudar os alunos, mas formalizei a minha situação de grevista, ajudando a reduzir o défice e assumindo publicamente a minha colocação na lista negra, que terá sido solicitada a certas escolas por fiéis burocratas da nossa decadência.

É evidente que, com esta atitude, não apoiei a recente proclamação de Mário Soares, para quem «o espírito do 25 de Abril está ser posto em causa por parte de forças políticas de direita, algumas no poder, o que não pode acontecer”. Nem sequer o fiz com esperança de ouvir, do Primeiro-Ministro, que “o Executivo está a trabalhar no sentido de aumentar os salários dos funcionários públicos em 2005”. Já não vou em eleitoralismos...

Com efeito, inclino-me mais a subscrever o Presidente Sampaio, para quem Portugal «precisava era de um Lord Hutton», e a reconhecer o irreal da situação: «imagine-se aqui o primeiro-ministro a abrir um inquérito, nomear um juiz para o realizar e definir um procedimento a seguir». Mas, com isto, não adiro à doutrina de Francisco Louçã, sobre a existência de ministros “inimputáveis”, porque também não sei distinguir essa categoria das “garotices”. Apenas sei que a queda deste sistema político, antes de o ser, já o é. Há muito lodo perto do Cais das Colunas.

O tal “sistema político-partidário” constitui um modelo de canalização da representação política que corre o risco de desenraizar-se da cultura portuguesa e da sociologia dos portugueses que temos. Está e estará em crise porque, pura e simplesmente, lhe faltam ideias e lhe falta povo, isto é, não tem sustentáculo na vida nem horizonte de sonho. O que leva ao crescente indiferentismo das massas face aos profissionais da política que nele circulam e acirra a tendência do mesmo servir como agente colonizador de ideias estrangeiras, no sentido de estranhas à nossa própria índole.

Discordo frontalmente do dr. Mário Soares, o nosso velho professor de democracia pluralista, quando este confunde aquilo a que, há tempos, deu o nome de “tumores” com “forças políticas de direita”. Porque se tal fosse verdade, eu que sempre me disse de direita, teria que passar para a extrema-esquerda.

Até porque, “antes de eu ser de esquerda”, ou de direita, “já era da Pátria. A Pátria é a minha política”, como dizia Passos Manuel, em carta dirigida a José da Silva Carvalho, em Novembro de 1836.

Logo, ser radicalmente democrata, isto é, fazer a defesa moral da liberdade individual contra a tirania do Estado, implica reconhecer que “se o poder enlouquece, o poder absoluto enlouquece absolutamente”, como nos ensinou Alain.

Prefiro concordar com outra recente intervenção pública do mesmo Mário Soares, segundo o qual o que, agora, nos falta é o sentido da honra e um adequado norte de patriotismo. Por isso é que me sentiria menos colectivamente inimputável, se pudesse ouvir o povão exigir do parlamento que nos fizesse aprovar uma lei, segundo a qual as conclusões dos trabalhos das inspecções estaduais não mais ficariam dependentes do arbítrio do despacho de arquivamento de um qualquer figurão ministerial, dado que esses segredos de gaveta não podem estar imunes à publicidade da justiça, nomeadamente à remessa de tais papéis para o Ministério Público.

O que nos falta é uma adequada cultura de Estado de Direito, capaz de eliminar, pela raiz, os “tumores” dos micro-autoritarismos ministeriais, secretariais e sub-estatais, onde inúmeros bonzos, ministeriais e autárquicos, incluindo presidenciáveis, continuam o absolutismo, dizendo que tem valor de lei tudo aquilo quanto vociferam, sob o nome de ordens, e não estando dependentes da ordem geral e abstracta que dão aos subordinados. O que faz falta, não é animar a malta, é um pedacinho de patriotismo científico.


Aníbal, Pedro e as gralhas... (15 de Fevereiro de 2004)

Confesso não fazer parte daquelas fatias de portugueses que se angustiam pelo facto de terem que escolher entre Aníbal Cavaco Silva e Pedro Santana Lopes, entre esse "máximo denominador comum" do PSD e o certificado de garantia da actual coligação governativa, isto é, entre a causa e a respectiva consequência. Por isso, esta crónica talvez seja politicamente inútil, porque, nas actuais circunstâncias, não me consigo visionar como apoiante de qualquer uma dessas esperanças do "mais do mesmo".

Sempre poderia dizer, face ao problema, que continuo monárquico, embora também deva acrescentar que, além de monárquico, não deixo de ser republicano, porque, na senda de Passos Manuel, continuo a visionar, como regime perfeito, um poder real cercado por instituições republicanas, mas com um rei eleito, de acordo com as nossas antiquíssimas leis fundamentais. Talvez por isso é que raramente desperdicei o meu voto neste modelo de presidenciais.

Acresce que sempre me assumi como alguém da direita, mas, paradoxalmente, talvez por gostar de estar na esquerda da direita, isto é, no excêntrico-concêntrico dos radicais do centro, nunca votei útil contra os candidatos do pretenso "povo de esquerda".

Apenas me lembro de ter sufragado Ramalho Eanes, por duas vezes, em nome do 25 de Novembro/Abril e da democracia pluralista, e de, contra Diogo Freitas do Amaral, ter "engolido o sapo vivo" do voto em Mário Soares, apesar de, na altura, ser da Comissão Directiva do CDS.

Não estou, portanto, disponível para validar o "ticket" Portas/Santana, porque reconheço a estreiteza deste teatrinho de marionetas em que se converteu a nossa Senhora Dona Política. Aliás, se aplicássemos os modelos do princípio de Peter a alguns dos nossos figurões ministeriais, poderíamos, sem esforço, concluir que a ascensão ao poder supremo conseguiu transformar razoáveis deputados em tristes e patéticas figuras de estilo, que bem poderiam ser imortalizadas pelo traço satírico de um novo "álbum da glórias", mas com as curvas caricaturais de José Vilhena.

Só o respeito humano que tenho por alguns deles me impede que use da adequada adjectivação qualificativa para a respectiva conduta. Prefiro dizer que muitos deles não passam de simples gralhas que nem sequer merecem o esforço da mera rectificação, remodeladora ou extintiva.

Aliás, entre alguns candidatos presidenciais e a dinâmica de Mourinho e Pinto da Costa, a diferença talvez esteja na circunstância de a bola ser o próprio povo, dado que todos parecem ter como objectivo meter-nos no fundo de umas quaisquer redes. Só que, infelizmente, na política, não são habituais as chicotadas psicológicas, nomeadamente porque recentes sondagens vêm demonstrando que a crise é tal que até o PS pode ganhar, quando é manifesta a respectiva falta de comparência ao jogo.

Tudo não passaria de ridículo se a tragédia não ameaçasse uma pátria que começa a viver a pior crise desde 1580, como recentemente proclamou o Professor Martim de Albuquerque.

É, na verdade, ridículo ver a nossa Ministra de Estado e das Finanças, lado a lado com Pinto da Costa, a homenagear um distinto cacique autárquico, mas já seria trágico que as análises de Dias da Cunha, sobre o sistema da futebolítica, coincidissem com o que tem dito a magistrada Maria José Morgado, para o mundo da polibolítica.

Gostaríamos apenas que a pátria não se confundisse com a "Liga dos Profissionais da Política", apesar de inúmeros valentins terem o dom da ubiquidade e dos novos e velhos ricos, do compromisso de um Beato sem petróleo, não se importarem com o crescente défice democrático desta tragicomédia.

Não, não quero que, depois desta "maioria" e deste "governo", nos surja "um presidente" que nos tornaria em nova Argentinazinha, com idêntica brilhantina, viciados pés-de-galo e excitantes "big brothers" em Belém. Muito menos me entusiasma a ilusão de, perante os presentes sintomas da doença, recorrermos a quem a permitiu, suscitou e desenvolveu. Prefiro o "dividir para unificar".

Mário, Tonecas e o mestre-escola (27 de Fevereiro de 2004)

Os compadres e as comadres deste sereno povo, condenado aos bons costumes da subsídio-dependência, porque o Estado de Bem-Estar se converteu num Estado de Mal-Estar, por causa da despolitização e da desgovernação, começam a não perceber esta bisca viciadamente lambida das candidaturas presidenciais. Se, à direita, há os que, depois da derrota, aspiram à vitória final do respectivo epitáfio, não faltam os que, à esquerda e à direita, assistem ao começo do jogo, julgando que o vão vencer apenas porque sucederá a desistência, ou a falta de comparência, dos que se perfilam como potenciais vencedores das primárias em curso.
Uma coisa parece segura: ainda bem que não emergem, por enquanto, dois ou três fortes e credíveis candidatos, porque se eles começassem a falar e a ser ouvidos pelo povo, correriam sérios riscos de passarem a ter mais autoridade do que o actual inquilino de Belém, o homem certo, mas no tempo errado, submerso por circunstâncias a que, naturalmente, foi alheio, mas que o tornaram impotente para dirigir a presente RGA.
Há quem tenha a esperança dos desesperados, quem, por entre a bruma empenumbrada do quotidiano, se alimente de utopia, ou continue a ser aquecido pelo lume do messiânico. Por outras palavras, se compreendo alguns dos que se entusiasmam com o discurso de Francisco Louçã, também entendo os que confiam no regresso do velho tio da nossa democracia, Aníbal Cavaco Silva. Se uns representam a versão revista e actualizada da tradução dos "amanhãs que cantam", em forma de "bacalhau a pataco", já outros pensam que pode voltar o oportunismo da Europa do betão e dos fundos estruturais.
Acontece que, entre a extrema-esquerda "aggionata" e a procura de um gestor honesto, dedicado e competente, continua a ser obsidiante o ausente-presente que representa o ponto de equilíbrio de todo o nosso sistema, o avozinho da nossa democracia, chamado Mário Soares que, esquecido do "socialismo na gaveta", está cada vez mais velho e cada vez mais verbosamente à esquerda, em nome da bandeira da "humanidade contra o neo-liberalismo", que já nem um Lula da Silva desfralda.
Assim, a procura de um candidato comum para as forças de esquerda constitui um jogo desesperante. Tonecas Guterres, beneficiando com a sábia gestão do silêncio doméstico a que se tem dedicado, poderia ser a tal solução menos péssima. Tonecas Vitorino, regressado das alturas supra-nacionais, poderia ser o factor inesperado, nessa nova versão da "Europa connosco" capaz de competir em dinamismo e prestígio com Aníbal Cavaco Silva.
Até Diogo Freitas do Amaral que, finalmente, conseguiu colocar-se no rigorosamente ao centro, continua à espera que os treinadores de bancada o chamem para mostrar como um defesa-direito pode passar a ponta de lança, a partir do lado esquerdo do meio-campo, garantindo-nos sucessivos empates.
Bem gostaria que, neste contexto emergisse uma qualquer mais valia que não dependesse da partidocracia, alguém que, em nome da necessária regeneração, assumisse a mátria em figura humana. Se continuarmos apenas a contabilizar candidatos politicamente correctos, entendidos como simples bissectriz do actual paralelograma de forças do sistema, estaremos condenados a viver a política como mero modelo de pilotagem automática.
Se permanecer em vigor este conformismo situacionista, continuaremos algemados entre um qualquer Dupont Barroso e o necessário inverso do Dupond Santana, onde, para que o primeiro permaneça no sempre-em-pé, se exige que o segunda faça as suas arremetidas demagógicas no pátio do recreio cá deste colégio de meninos finos. Só assim é que o mestre-escola da TVI que, em boa hora, substituiu outros grandes comunicadores em maus apuros, pode continuar a dar-nos novas lições p'rós Tonecas, evitando que o Dupont tenha que ir a votos para a eleição do chefe de turma.

O terrorismo (12 de Março de 2004)

Dizem certas enciclopédias políticas que o terrorismo tem a ver com a prossecução de um objectivo proclamado como político através de meios violentos, ou da intimidação. Dizem outras que se trata daquele método revolucionário que força a população a cooperar com os subversivos através de uma especial forma de violência, o terror. Não referem muitas que alguns dos que mais se declaram como combatentes do terrorismo, apenas o fazem para disfarçarem que não passam de agentes de um autêntico Estado Terrorista.
Por outras palavras, quase todos ainda continuam a justificar "a posteriori" a utilização da violência para a conquista do poder, considerando que há actos de violência terrorista que podem ser menos violentos do que certas situações de violência. Não faltam até os que foram ministros ou continuam agentes de Estados que mandaram assassinar adversários políticos e que têm o despudor de dar lições de moral televisiva e de teorizarem calhamaços sobre a matéria.
O método foi, aliás, utilizado pelas resistências ao nazi-fascismo, desde os liberais aos partisans, visando a liquidação de situações de violência, consideradas como autênticos Estados Terroristas. Da mesma forma, o terrorismo foi utilizado pelos movimentos anti-colonialistas de libertação nacional do Terceiro Mundo, que ainda usam esses sinais de luta armada como símbolos nacionais e cujos líderes chegaram a ser reconhecidos oficialmente como interlocutores pelas organizações internacionais.
Alguns desses mesmos "terroristas" chegaram mesmo a ser recebidos pelo próprio Papa, como fez Paulo VI com os três líderes dos movimentos de libertação nacional da Guiné, Angola e Moçambique que aí combatiam militarmente a soberania portuguesa. Porque, desde a neo-escolástica que sempre se admitiu o tiranicídio.
Há assim um espaço de ambiguidade entre o terrorismo, a luta de libertação nacional e a resistência libertadora. Até porque o único padrão utilizado tem sido a eficácia do resultado. Por outras palavras, a possibilidade do vencedor poder decretar a qualificação justa para o grupo que o apoiou, enquanto o vencido, condenado ao silêncio, não passará de mero bandido armado.
O que no dia 11 de Março se passou em Madrid dura há séculos e infelizmente vai continuar. Só haverá paz na terra, se os homens forem homens, de boa vontade. Se o direito fundamentar e limitar o poder internacional. Se a justiça iluminar o direito. Mas desde que a justiça não seja impotente. E o direito não seja manipulado pelo poder.
Com efeito, tanto há formas violentas de modificação política (da guerrilha à revolução, do golpe de Estado à rebelião e à insurreição) como estados de violência, pelo que, muito eclesiástica e catolicamente, até se teorizou a espiral da violência, salientando-se que a violência estrutural da opressão sistémica gera a violência subversiva do rebelde, a qual leva à violência repressiva dos instalados.
Por isso, muitos referem uma violência estrutural ou simbólica, diversa da violência física, concebendo-se aquela como a forma de controlo social resultante dos processos de aculturação e de socialização, dado que, ao integrar-se numa sociedade, o indivíduo é obrigado a renunciar à satisfação de algumas expectativas, gerando-se uma diferença negativa entre os desejos e as realizações efectivas.
Retomando Pierre Bourdieu, pudemos, aliás, observar, nalguns comentários aos recentes acontecimentos sangrentos, que se mantém o domínio de certa violência simbólica, daquela forma de impor como legítimas certas significações, ocultando as relações de força interessadas no estabelecimento dessas significações.
Quando os tradicionais "bonzos" da nossa gerontocracia que abusa da posição dominante no situacionismo doméstico e no dependencismo seguidista face à potência dominante, depois de carimbarem o conceito terrorista que mais lhes convém e de se esquecerem que foram activistas de certos modelos de Estado Terrorista, continuam a lavar as mãos como Pilatos, no "day after", termos de concluir que alguns intelectuais também a ser responsáveis pelas carnificinas.

Um absolutismo iluminado pelo oculto (13 de Março)

Em muitas das zonas mais obscuras do nosso proclamado Estado de Direito, continuamos a viver restos salazarentos de despotismo e absolutismo, principalmente nos segmentos do micro-autoritarismo que conseguiu perpetuar-se, quando instrumentalizou actos eleitorais e fez aliar a gerontocracia com o neocorporativismo.
Alguns desses micro-absolutismos, manipulando o grande sistema político, conseguiram até penetrar em partidos que vermizaram, para, depois de os destruírem com palhaços demagógicos e moldáveis aos sucessivos "ismos", se insinuarem na zona da cultura e da comunicação social, estabelecendo direitos feudais de conquista na subsídio-dependência da política universitária e da política de investigação científica, até alcançarem a glória da confirmação decretina, por uma resolução do conselho de ministros.
As semelhanças entre certos actores desta zona com Avelino Ferreira Torres ou Enver Honxa, são tão evidentes quanto a existência de idêntica "madaílzação" e semelhante "valentinização", onde, em vez dos árbitros do apito passaram a estar os intelectuais e os "profes" dependentes da indústria dos pareceres e do turismo científico. Novas contrafacções de Lucius Sergius Catilina, acumulando poderes, mas sem a romana autoridade, usurparam o próprio nome do senado da república e pintalgando as respectivas cortes com gerontes, entre os 69 e os 82, continuam a confundir a democracia com a "conspiração de avós e netos", assim julgando que é possível "kaúlzar" o inevitável "movimento dos capitães".
E até lançam muitas cantigas onde se denunciam os cíceros como furiosos radicais, que devem ser internados num hospital psiquiátrico, à boa maneira das memórias do estalinismo juvenil que ainda os marca. "O tempora, o mores!", quando alguns ainda recordavam que os cemitérios estavam cheios de pessoas insubstituíveis e denunciavam o facto de muitos fazerem setenta anos uma série de vezes, sem o notarem.
De facto, o absolutismo é a forma de governo na qual o supremo comando goza de um poder sem controlo, constituindo uma governação à solta, isto é, sem limites, face à ausência de contra-poderes, travões ou "forças de bloqueio", pelo que a zona do político é invadida pela degenerescência do doméstico, do que diz respeito à casa ("domus"), onde há sempre um "dominus", um dono.
Contudo, o absolutismo difere do mero despotismo, dado que, neste caso, o supremo comando tanto não respeita qualquer lei, como actua conforme os caprichos, sem curar do interesse dos governados. Ora, no governo absoluto, quem manda pode até ser dotado de compaixão e estar disposto a permanecer nos limites de uma espécie de legalidade relativa, ganhando a imagem do bom pastor que sabe o caminho e a verdade e que, sorrindo, pode usar do cacete nas zonas ocultas, porque os fins justificariam os meios.
Ora, esta degenerescência, mesmo que se disfarce sob o manto paternalista, avoengo, ou bisavoengo, com o velho restolho do "manitu", constitui uma forma de poder pré-político, esse conjunto de forças cuja fonte, ou origem, se situa antes, ou fora, do "dominium politicum", pertencendo ao "dominium servile", como já ensinava Francisco Suárez.
Se o nosso Primeiro-Ministro e a nossa Ministra das Universidades e da Ciência se dessem ao incómodo de tirar da gaveta algumas inspecções já feitas descobririam como, no mundo da economia mística do ensino superior, navegam muitos desses resquícios do neo-feudalismo predador, inimputável e psicopático.
Alguns acumulam a inspiração de várias científicas ocultações, sonhando chegar a reitores perpétuos de super-universidades, enquanto são chamados para a parecerística subsídica do que familiarmente continua a não passar do jardim das maravilhas retóricas. E mantendo o regime do autoritarismo feudal, enxameiam com seguidores, de outros companheirismos político-partidários e político-amigáveis, todo o espaço das visitações inquisitoriais, a fim de continuar a ser possível o temor reverencial, o controlo da ciência e a proibição da criatividade, para que os avaliados possam ser avaliadores dos que não recebem as senhas de presença da avalialogia. "Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?"

Nacionalistas e europeístas, precisam-se !(25 de Março de 2004)

Não gosto de utilizar esta minha coluna de quinzenal opinião para despejo dos meus arquivos de justificação política, mas face à actual questão europeia, não posso deixar de recorrer a um texto que emiti, em Janeiro de 1995, para a Comissão de Assuntos Europeus da Assembleia da República, onde, de forma bastante europeísta, contra eurocépticos, eurocalmos e eurocratas, assumia aquilo que as propagandas do Partido Popular Europeu e do Partido Socialista Europeu continuam a considerar uma espécie de impossível lógico: a conciliação do nacionalismo com o europeísmo.

Repetindo o que então proclamei, volto a dizer que "a Europa que interessa a Portugal é a Europa que tenha uma alma, como dizia Robert Schuman. A Europa que possa recomeçar pela cultura, como acrescentava Jean Monnet.

Porque não haverá Europa se esta não for entendida como uma polis, como um conjunto de cidadãos, onde só é cidadão aquele que participa nas decisões. Mas a polis Europa só o poderá ser se se assumir como o resultado da complexidade das polei que a história gerou, como ânimo comum assente nas comunidades efectivas que a formam e conformam.

Qualquer europeísmo que caia na tentação de criar um super-Estado, uniformizado, centralizado e concentracionário, em nome de um despotismo esclarecido e utilizando a metodologia da Europa confidencial, através da elefantíase legiferante e do regulamentarismo, nada mais faz do que elevar o soberanismo absolutista à escala europeia.

Destruir o soberanismo dos Estados, mantendo-o num centro político supra-estatal é deixar entrar pelo sótão aquilo que pretendeu, em boa hora, defenestrar-se.

Só uma Europa consciente de que os problemas económicos só podem ser resolvidos por medidas económicas, mas não apenas por medidas económicas, pode ser viável e fiel ao ideal europeu.

Isto é, uma Europa que crescer a partir de um mercado único e de uma união económica e monetária, só pode ser diferente dos modelos de free trade, se assumir uma identidade política, se ascender a uma alma, se for mais cultura, mais cidadania e mais política, mas através de uma perspectiva pluralista e poliárquica.

A autonomia política dos portugueses que, desde a sua conformação medieval, esteve na vanguarda de uma construção racional do político através do consentimento comunitário, considerando que só a partir do particularismo, da diversidade e da diferença pode atingir-se o universal, não pode deixar de continuar a ser vanguarda na construção de uma Europa que queira ser unidade na diversidade".

Os partidos que tentam monopolizar o europeísmo, abusando da respectiva posição dominante e tentando esmagar os que não alinham no respectivo oligopólio, isto é, aqueles que têm entre nós, como simples secções retalhistas, o PSD e o PS, com o PP como satélite, podem dizer que têm com eles o bem e atacar os adversários como agentes do diabo oposicionista. Que fiquem com o respectivo situacionismo político e sociológico, que repartam entre si os milionários subsídios de campanha, os quais não entram nas contabilidades nacionais do controlo do financiamento partidário.

Estes bons alunos de Jacques Delors e da eurocracia têm a ilusão da vitória só porque acreditam que dois terços dos europeus estão cada vez melhores e mais anafadinhos, enquanto pouco lhes interessa a revolta da justiça, nomeadamente daquele um terço de excluídos que constituem os novos povos mudos da Europa.

A Europa que interessa a Portugal tanto não é aquela que continua, por cá, à procura do tempo perdido, quando havia Jacques Delors, Mitterrand, Kohl, Cavaco Silva ou Mário Soares, como a mais recente defunta, aquela jovem senhora oportunista inventada pos Mr. Donald Rumsfeld, a dita "Nova Europa", agora desaznarizada.

Julgo que talvez valha a pena estragar a paisagem situacionista e fazer como o nosso Zé Povinho diante do rotativismo: Não! Rotativismo e Bloco Central, nunca mais!

Pedroso e o marcelismo da caça às bruxas (7 de Abril de 2004)

O artigo "apuradamente linear" da autoria de Paulo Pedroso, publicado no JN, do passado dia 6, se tem um conteúdo verboso que finge assumir a lógica das boas ideias, talvez incorra naquela metodologia inquisitorial dos que, visando fins tacticistas, não se importam em injuriar os adversários, segundo o processualismo salazarento, ou gonçalvista, da "caça às bruxas".
Seria aconselhável que o mediático ex-ministro reparasse que o largo oceano do populismo, bem configurado, há meio século, entre Poujade e Nasser, pouco precisa do estudo das "novas direitas", dado ter mais a ver com velhas esquerdas e velhas direitas.
Marcado pelo "poujadismo" dos tendistas e pequenos industriais foi o Partido Republicano Português, isto é, a base da nossa esquerda republicana e laica, mas bem pouco socialista, até à emergência de Mário Soares, que, recorrendo a "feiras e piropos de peixeiras", ajudou o povão a livrar-se do vanguardismo daquela "hard left" que só se democratizou no dia seguinte ao 25 de Novembro de 1975, e ainda bem!.
Quando o mentor desses resquícios do MES insulta os militantes do PND entra objectivamente na campanha de candidatura a "porta-voz do sistema", desencadeada, uma semana antes, pelo antigo presidente do PSD no seu púlpito televisivo. A má língua da sacristia laica deste situacionismo, entre complexos de esquerda e fantasmas de direita, apenas certifica que o PND não faz parte daquele "mais do mesmo" do grande bloco central, a que pretendem aceder os irmãos-inimigos do Bloco de Esquerda. A Nova Democracia não está à direita nem à esquerda deste sindicato dos elogios mútuos. Está à frente. Apenas quer dar voz aos que, rejeitando o sistema, pretendem regenerar o regime, contra o corporativismo de bonzos, endireitas e canhotos.

A Febre comemorativa (22 de Abril de 2004)

Nestas vésperas do fim desta febre comemorativa, quero recordar que há trinta anos nos vimos livres de um regime que havia sido montado por um avô autoritário, ao estilo do pai tirano, para, depois de algumas cenas de violência familiar, chegar o tempo da geração soarista do pai modernaço e "bon vivant", muito viajado, que não tinha problemas de abrir as janelas, porque resistia às correntes de ar.
Por isso é que, a certa altura, no fim da década de oitenta, os membros da família, fartos dos laxismos desse gestor, que não gostava de ler "dossiers" e que até "meteu a ideologia na gaveta", pediram ajuda a um tio austero, que nunca tinha dúvidas e raramente se enganava. E foi ele que tratou de pôr ordem no orçamento, pintou a casa e arranjou os caminhos e as cercas do quintal.
Por outras palavras, como dizia Ortega y Gasset, todas as revoluções são pós-revolucionárias. Medem-se menos pelas intenções dos primitivos revolucionários e mais pelas acções dos homens concretos que fazem a história, sem saberem que história vão fazendo. Porque, na prática, a teoria é outra...
Por isso é, ao encerrar-se este ciclo de comemorações, quero solitariamente protestar contra esta linguagem dos que pensam ter vencido na história e que, de cima para baixo, dos microfones do poder para a audiência dos súbditos, fingem que são ainda o contra-poder, quando se assiste a uma operação onde o poder instalado quer ser mais poder ainda, secando o discurso do contra-poder.
Não falarei em Saramago a submeter-se ao SNI dos ex-MRPPs. Nada direi sobre o populismo nacional-porreirista de Valentim. Nem sobre o sorriso da ministra Gioconda, que sempre foi acompanhante do pensante, sem nunca ter pensado. Por isso é que João de Deus Pinheiro tinha que ser a expressão deste paralelograma de forças astrais.
Não há revolução cultural possível quando o pretenso contra-poder não passa do mais extremado dos situacionismos. Filhos do iluminismo pombalista, adoradores de um catedratismo saneador, bajuladores de um positivismo serôdio, todas estas teias de aranha não conseguem ensinar ninguém a pensar.
Recordo apenas que foi precisamente há dez anos que morreu Agostinho da Silva. Morreu um pouco do mais português de Portugal, mestre de um tempo que já não há. Mas valeu a pena, Mestre. O sonho de um respublica que tem de ser, o sonho de um Portugal à solta, a memória de um tempo que há-de ser. Morreste naturalmente. No fim do teu próprio tempo.
Morreu o Mestre, mas a sua semente ficou. Morreu um português inteiro, que também era grego, romano, lusitano, medieval. O profeta, o brincalhão, o poeta, o visionário com os pés no céu e a cabeça na terra. Tentaram prender-te postumamente na teia de chatas biografias e no círculo estreito das pequenas capelinhas e rebanhos intelectuais, não compreendendo que tu foste dos poucos que não seguiram as bandeiras da guerra civil. Pairaste, como poucos, acima da direita e da esquerda. Querias um Portugal mais que Portugal. Um Portugal à solta, universal, um Portugal herdeiro de todos os impérios universais, de Alexandre, dos estóicos, do catolicismo ecuménico, franciscano, herético.
Republicano, tinhas em mente o sonho medieval de um reino republicano, onde uma coroa aberta cumulasse uma federação de repúblicas. Saudavas D. Dinis, o rei poeta, o rei lavrador, o rei das naus a haver, o rei do telúrico pinhal que nos deu naus. Sonhavas e partiste por não entenderem o que sonhavas. E partindo sempre regressaste.
Portugal não morreu ainda, mestre das antigas ordens, professor de portas abertas, pensando mais na aula do que no capítulo, como dizia Hernâni Cidade. Português de um Portugal maior que as necessárias partes em que nos vamos dividindo, para podermos participar politicamente. Português de um Portugal que foi além de si mesmo. Andavas sempre de partida. Semeaste, semeaste…

A Nova Constituição e o Regresso a 1580 (6 de Maio de 2004)

O recente anúncio de mais uma revisão constitucional mostra como tal decisão fundamental continua a estar dependente da hipótese de acordo entre o partido dominante da situação governamental e o principal partido da oposição parlamentar. Daí que os defeitos partidocráticos do actual sistema político sejam agravados pela tentação bipolarizadora, podendo ficar ainda maior a distância que separa a chamada classe política da chamada sociedade civil.

As revisões constitucionais continuam assim presas nas teias da partidocracia bipolar, nessa balança de poderes do sistema político português, onde prevalece o modelo de bipartidarismo entre partidos directores, apesar do ambiente ser formalmente pluralista.

Talvez seja conveniente lembrar aos dirigentes dos nossos principais partidos pós-revolucionários que o poder político numa democracia pluralista não é tanto uma relação entre governantes e governados, quanto uma relação entre a sociedade e o aparelho de poder. Ora, quando, ao arrepio destas tendências, os dois principais partidos portugueses assumem a pretensão de conformar a Constituição em termos da partidocracia de partidos directores, parecem esquecer que a complexidade do poder político em regime pluralista, vai além do mero aparelho de poder, exigindo que o Estado-Comunidade não se transforme num marginal, susceptível de se perspectivar como um pária ou um ser indiferente perante uma decisão excepcional como é a revisão constitucional.

Julgo que qualquer norma constitucional não pode deixar de inscrever-se no âmbito mais vasto de um pacto de união. Qualquer norma constitucional não é suprema por ser ditada de cima para baixo, isto é, do aparelho de poder para a sociedade, mas antes porque resulta daquela procura da perfeição democrática que é a única via que lhe pode dar esse sonho da soberania que se traduz no máximo consenso da comunidade.

Se a verdadeira autoria de uma Constituição deve caber à comunidade, qualquer desvio partidocrático do processo, apenas contribui para que se agrave a distância entre o Estado Aparelho e o Estado Comunidade. Sobre a matéria, apenas me apetece citar o antigo conselho de um dos pais-fundadores da Constituição americana, John Adams: "uma constituição é um padrão, um pilar, uma garantia, quando compreendida, aprovada e amada. Mas sem esta compreensão e amor, é como se fosse um papagaio de papel, um balão, pairando no ar".

De facto, as boas constituições, as constituições amadas e compreendidas pela comunidade, são as que vêm da república para o principado, as que constituem um Estado a partir da própria sociedade. Só assim é que as constituições podem unir. E só assim é que também podem durar.

Acontece também que a presente revisão à porta fechada, sufragada pelo Partido Popular, ao arrepio de todas as declarações que emitiu antes da subida à governamentalização, é o resultado de outra bipolarização dominante: a do oligopólio europeísta do Partido Popular Europeu, onde se integra o PSD, e do Partido Socialista Europeu, onde se dilui o PS.

Por outras palavras, PSD, PS e PP, abusando da posição dominante, fizeram com que Portugal voltasse ao ritmo de 1580, quando as nossas elites instaladas sufragaram Filipe II como rei de Portugal, ele que já acumulava o actual espaço da Espanha, da Bélgica, da Holanda e de outras largas parcelas da actual União Europeia.

Também então, distintos constitucionalistas, e candidatos a lugares cimeiros da supra-estadualidade, elaboraram uma científica teoria da justificação que demonstrava, com toda a qualidade hermeneûtica, que Portugal mantinha a sua formal independência.

Cá por mim, prefiro o partido de Febo Moniz e estou disponível para alinhar com o Manuelinho de Évora, contra todos os "ministros do reino por vontade estranha", esperando que distintos juristas da cepa de Francisco Velasco Gouveia e João Pinto Ribeiro preparem uma justa aclamação da república dos portugueses, onde as Actas das Cortes de Lamego possam subverter o conformismo situacionista dos Cristóvão de Moura e dos seus tachos eurocráticos ou os fundamentalismos teóricos dos Miguel de Vasconcelos.

A Nova COnstituição e o Regresso a 1580 (6 de Maio de 2004)

O recente anúncio de mais uma revisão constitucional mostra como tal decisão fundamental continua a estar dependente da hipótese de acordo entre o partido dominante da situação governamental e o principal partido da oposição parlamentar. Daí que os defeitos partidocráticos do actual sistema político sejam agravados pela tentação bipolarizadora, podendo ficar ainda maior a distância que separa a chamada classe política da chamada sociedade civil.

As revisões constitucionais continuam assim presas nas teias da partidocracia bipolar, nessa balança de poderes do sistema político português, onde prevalece o modelo de bipartidarismo entre partidos directores, apesar do ambiente ser formalmente pluralista.

Talvez seja conveniente lembrar aos dirigentes dos nossos principais partidos pós-revolucionários que o poder político numa democracia pluralista não é tanto uma relação entre governantes e governados, quanto uma relação entre a sociedade e o aparelho de poder. Ora, quando, ao arrepio destas tendências, os dois principais partidos portugueses assumem a pretensão de conformar a Constituição em termos da partidocracia de partidos directores, parecem esquecer que a complexidade do poder político em regime pluralista, vai além do mero aparelho de poder, exigindo que o Estado-Comunidade não se transforme num marginal, susceptível de se perspectivar como um pária ou um ser indiferente perante uma decisão excepcional como é a revisão constitucional.

Julgo que qualquer norma constitucional não pode deixar de inscrever-se no âmbito mais vasto de um pacto de união. Qualquer norma constitucional não é suprema por ser ditada de cima para baixo, isto é, do aparelho de poder para a sociedade, mas antes porque resulta daquela procura da perfeição democrática que é a única via que lhe pode dar esse sonho da soberania que se traduz no máximo consenso da comunidade.

Se a verdadeira autoria de uma Constituição deve caber à comunidade, qualquer desvio partidocrático do processo, apenas contribui para que se agrave a distância entre o Estado Aparelho e o Estado Comunidade. Sobre a matéria, apenas me apetece citar o antigo conselho de um dos pais-fundadores da Constituição americana, John Adams: "uma constituição é um padrão, um pilar, uma garantia, quando compreendida, aprovada e amada. Mas sem esta compreensão e amor, é como se fosse um papagaio de papel, um balão, pairando no ar".

De facto, as boas constituições, as constituições amadas e compreendidas pela comunidade, são as que vêm da república para o principado, as que constituem um Estado a partir da própria sociedade. Só assim é que as constituições podem unir. E só assim é que também podem durar.

Acontece também que a presente revisão à porta fechada, sufragada pelo Partido Popular, ao arrepio de todas as declarações que emitiu antes da subida à governamentalização, é o resultado de outra bipolarização dominante: a do oligopólio europeísta do Partido Popular Europeu, onde se integra o PSD, e do Partido Socialista Europeu, onde se dilui o PS.

Por outras palavras, PSD, PS e PP, abusando da posição dominante, fizeram com que Portugal voltasse ao ritmo de 1580, quando as nossas elites instaladas sufragaram Filipe II como rei de Portugal, ele que já acumulava o actual espaço da Espanha, da Bélgica, da Holanda e de outras largas parcelas da actual União Europeia.

Também então, distintos constitucionalistas, e candidatos a lugares cimeiros da supra-estadualidade, elaboraram uma científica teoria da justificação que demonstrava, com toda a qualidade hermeneûtica, que Portugal mantinha a sua formal independência.

Cá por mim, prefiro o partido de Febo Moniz e estou disponível para alinhar com o Manuelinho de Évora, contra todos os "ministros do reino por vontade estranha", esperando que distintos juristas da cepa de Francisco Velasco Gouveia e João Pinto Ribeiro preparem uma justa aclamação da república dos portugueses, onde as Actas das Cortes de Lamego possam subverter o conformismo situacionista dos Cristóvão de Moura e dos seus tachos eurocráticos ou os fundamentalismos teóricos dos Miguel de Vasconcelos.

Europa: a mentira federalista (20 de Maio 2004)

Faço parte daquele grupo de europeus, certamente minoritário, que considera não poder haver projecto europeu sem uma ideia de Europa e sem o sustento de uma pátria. Porque o principal perigo do projecto europeu em desenvolvimento continua a ser a tentação de regresso ao sistema da Europa dos projectos imperiais frustrados, desses que querem assumir-se como Estados Locomotivas, feudalizando todo o processo de construção europeia.
É contra este modelo que a República Portuguesa tem de resistir, invocando a possibilidade do grande espaço europeu continuar uma hipótese de conciliação das liberdades dos povos contra as perspectivas absolutistas do estadualismo e do soberanismo. E que reagir, não apenas em nome da liberdade de Portugal, mas também em nome da liberdade da Europa, da liberdade de todos aqueles povos da Europa que continuam a ser nações proibidas e a que, muito eufemisticamente, se dá a consolação do nomen de Europa das regiões.
Importa salientar que a própria generosidade da ideia federal, conforme a linha associativista do small is beautiful, que vai de Proudhon a Rougemont e deu asas ao Congresso de Haia de 1948, acabou por ser expropriada pelo modelo de uma espécie de super-Estado, uniformista e centralista, que trata de utilizar a metodologia do legalismo e do regulamentarismo.
Com efeito, sob o nome de federalismo europeu tem-se criado uma ideia que o pai do próprio federalismo contemporâneo, Proudhon, considerava como o principal inimigo do federalismo: a Europa como uma confederação única, como uma nova Santa Aliança que sempre degenera ... numa potência única, qualificada como uma autêntica cilada, dado não ser precedida pela descentralização dos grandes Estados, impedindo que a nacionalidade volte à liberdade.
Ora, segundo o próprio Proudhon, importaria assegurar as nacionalidades dado que o sentimento de pátria deveria ser assumido como um elemento indestrutível da consciência dos povos.
Da mesma forma Rougemont, já no Congresso de Montreux de 1946, considerava que a união federalista da Europa nunca poderia ser concretizada pelos Estados, dado que importaria renunciar a qualquer ideia de hegemonia bem como a qualquer forma de arrange ensemble, dado que a federalização implicava a junção das realidades concretas e heteróclitas das nações e das regiões económicas, bem como a própria superação do problema das minorias. E isto porque seria essencial no federalismo a salvaguarda das qualidades próprias de cada grupo, nunca podendo apagar-se as diversidades, antes se exigindo o amor pela complexidade e uma construção política feita de baixo para cima, a partir dos grupos e das pessoas e não a partir do vértice de um centro político.
Certo europeísmo bancoburocrático corre assim o risco de juntar o mais gnóstico do idealismo alemão como o mais unidimensionalista do jacobinismo francês, gerando um pan-nacionalismo soberanista à escala europeia. Se se foi desdenhando daquela soberania que propiciava uma reserva em prol das liberdades nacionais, regionais e locais, eis que tratou de propiciar-se uma hipostasiada soberania de uma espécie de Europa-fortaleza.
Por isso é que nesta Europa leviatânica o homem comum sente que pensar a política europeia pode, muitas vezes, não valer a pena, dado que está a gerar-se uma consciência de indiferentismo entre as massas europeias, dada predominância da minoria tecnocrática nas altas esferas de decisão.
Veja-se como as recentes decisões ministeriais de tradução em calão das chamadas regras de Bolonha estão a preparar a venda em saldos da universidade portuguesa, com a entrega da decisão em áreas estratégicas aos grupos de pressão de certas universidades privadas e concordatárias, onde tios, sobrinhos, sacristias e sagradas unções, nos dividem entre universitários da laicidade e catedráticos do transcendente, mesmo sem concurso, dado que, ao que parece, basta um encontro imediato de primeiro grau com a sabedoria petrolífera ou o misticismo predatório das amizades de salão.

domingo, outubro 10, 2004

Tudo pela Europa, nada contra a Nação! (1 de Junho 2004)

Importa reconhecer que esta Europa institucional que vamos tendo, se é formal continuadora do projecto dos Tratados de Paris e de Roma da década de cinquenta do século XX, talvez não continue integralmente fiel ao espírito dos fundadores desse formidável movimento de lançamento do Estado de Direito que se sucedeu à Segunda Guerra Mundial.
A Europa somos nós, as pessoas, os cidadãos, os povos e as nações, não são apenas eles, os eurocratas, os parlamentocratas, e todos os cratas que temem as vozes irreverentes dos que não são moldáveis pelos unidimensionais partidos, sindicatos e patronatos, cada vez mais neocorporativamente enquistados no statu quo, esses estados que condicionam os Estados.
Quem me der poder dizer que chegou a hora de uma Europa mais livre e mais unida, enraizada no direito à pátria e já descolonizada de algumas tentações imperiais, capaz de dizer a todas as nações sem Estado deste nosso tempo que a exigência dos grandes espaços não tem que ofender os princípios da auto-determinação nacional.
O principal perigo dos actuais meandros do projecto europeu continua a ser a tentação de regresso ao sistema da Europa dos projectos imperiais frustrados, desses que querem assumir-se como Estados Locomotivas, feudalizando todo o processo de construção europeia.
Foi esse o erro da Europa de Metternich e Talleyrand. Foi essa a tentação do pós-Grande Guerra e a causa da Segunda Guerra Mundial. É contra este modelo de federação dos impérios frustrados da Europa que a República Portuguesa tem de resistir, invocando a possibilidade do grande espaço europeu continuar uma hipótese de conciliação das liberdades dos povos contra as perspectivas absolutistas do estadualismo e do soberanismo. E que reagir, não apenas em nome da liberdade de Portugal, mas também em nome da liberdade da Europa, da liberdade de todos aqueles povos da Europa que continuam a ser nações.
Primeiro, está democracia. Porque a Europa tem de ser uma democracia de muitas democracias, directamente responsável perante todos e cada um dos povos europeus. A Europa política não pode ser um qualquer sacro-império burocrático, em regime de despotismo iluminado, mesmo que com boas intenções construtivistas, como aquele que perpassa por certo elitismo voluntarista de alguns eurocratas que se julgam iluminados pela pretensa razão do Euro-Estado, misturando assim os contrários de certo hegelianismo e de certo maquiavelismo. Do mesmo modo, não pode tornar-se numa espécie de super-congresso multitudinário sem respeito pelas democracias vivas e directas das repúblicas que a integram.
Segundo, o repúdio de qualquer neo-imperialismo de fachada europeísta. Com efeito, qualquer ideia de construção política europeia, seja federalista ou confederacionista, invoque o princípio da integração política ou o da cooperação política, que assuma a existência de núcleos duros ou Estados locomotivas tende para um neo-imperialismo de fachada europeísta, onde serão fatalmente satelitizadas as comunidades políticas que não podem assumir o estatuto de potências.
A única ideia de construção política da Europa que convém à República Portuguesa é a ideia que convém à Europa dos povos, das pátrias ou das nações e à Europa dos cidadãos. A ideia da Europa que permita destruir a degenerescência de um núcleo duro de soberanismos absolutistas. O segredo da resistência da construção europeia está precisamente na conciliação entre o interesse de cada comunidade política parcelar e o interesse global da entidade europeia.
A Europa política não pode ser um super-Estado, um grande Leviatã. A Europa da vontade geral tem de ser uma Europa dos povos, chamem-lhe nações, cantões, pátrias ou regiões. Não pode, pois, copiar o modelo dos anteriores projectos de Império ou de Monarquia Universal, com pretensões a Estado Mundial.
Logo, a postura portuguesa tem que saber conciliar permanentemente o patriotismo com o europeísmo, porque os dois movimentos, não são incompatíveis, exigindo-se reciprocamente. Desde que não se entenda o europeísmo como uma espécie de prisão das nações. Desde que não se reduza o patriotismo à reinvenção de um estadualismo ultrapassado, à maneira de certos velhos do Restelo. Tudo pela Europa, nada contra a Nação!