domingo, outubro 10, 2004

Tudo pela Europa, nada contra a Nação! (1 de Junho 2004)

Importa reconhecer que esta Europa institucional que vamos tendo, se é formal continuadora do projecto dos Tratados de Paris e de Roma da década de cinquenta do século XX, talvez não continue integralmente fiel ao espírito dos fundadores desse formidável movimento de lançamento do Estado de Direito que se sucedeu à Segunda Guerra Mundial.
A Europa somos nós, as pessoas, os cidadãos, os povos e as nações, não são apenas eles, os eurocratas, os parlamentocratas, e todos os cratas que temem as vozes irreverentes dos que não são moldáveis pelos unidimensionais partidos, sindicatos e patronatos, cada vez mais neocorporativamente enquistados no statu quo, esses estados que condicionam os Estados.
Quem me der poder dizer que chegou a hora de uma Europa mais livre e mais unida, enraizada no direito à pátria e já descolonizada de algumas tentações imperiais, capaz de dizer a todas as nações sem Estado deste nosso tempo que a exigência dos grandes espaços não tem que ofender os princípios da auto-determinação nacional.
O principal perigo dos actuais meandros do projecto europeu continua a ser a tentação de regresso ao sistema da Europa dos projectos imperiais frustrados, desses que querem assumir-se como Estados Locomotivas, feudalizando todo o processo de construção europeia.
Foi esse o erro da Europa de Metternich e Talleyrand. Foi essa a tentação do pós-Grande Guerra e a causa da Segunda Guerra Mundial. É contra este modelo de federação dos impérios frustrados da Europa que a República Portuguesa tem de resistir, invocando a possibilidade do grande espaço europeu continuar uma hipótese de conciliação das liberdades dos povos contra as perspectivas absolutistas do estadualismo e do soberanismo. E que reagir, não apenas em nome da liberdade de Portugal, mas também em nome da liberdade da Europa, da liberdade de todos aqueles povos da Europa que continuam a ser nações.
Primeiro, está democracia. Porque a Europa tem de ser uma democracia de muitas democracias, directamente responsável perante todos e cada um dos povos europeus. A Europa política não pode ser um qualquer sacro-império burocrático, em regime de despotismo iluminado, mesmo que com boas intenções construtivistas, como aquele que perpassa por certo elitismo voluntarista de alguns eurocratas que se julgam iluminados pela pretensa razão do Euro-Estado, misturando assim os contrários de certo hegelianismo e de certo maquiavelismo. Do mesmo modo, não pode tornar-se numa espécie de super-congresso multitudinário sem respeito pelas democracias vivas e directas das repúblicas que a integram.
Segundo, o repúdio de qualquer neo-imperialismo de fachada europeísta. Com efeito, qualquer ideia de construção política europeia, seja federalista ou confederacionista, invoque o princípio da integração política ou o da cooperação política, que assuma a existência de núcleos duros ou Estados locomotivas tende para um neo-imperialismo de fachada europeísta, onde serão fatalmente satelitizadas as comunidades políticas que não podem assumir o estatuto de potências.
A única ideia de construção política da Europa que convém à República Portuguesa é a ideia que convém à Europa dos povos, das pátrias ou das nações e à Europa dos cidadãos. A ideia da Europa que permita destruir a degenerescência de um núcleo duro de soberanismos absolutistas. O segredo da resistência da construção europeia está precisamente na conciliação entre o interesse de cada comunidade política parcelar e o interesse global da entidade europeia.
A Europa política não pode ser um super-Estado, um grande Leviatã. A Europa da vontade geral tem de ser uma Europa dos povos, chamem-lhe nações, cantões, pátrias ou regiões. Não pode, pois, copiar o modelo dos anteriores projectos de Império ou de Monarquia Universal, com pretensões a Estado Mundial.
Logo, a postura portuguesa tem que saber conciliar permanentemente o patriotismo com o europeísmo, porque os dois movimentos, não são incompatíveis, exigindo-se reciprocamente. Desde que não se entenda o europeísmo como uma espécie de prisão das nações. Desde que não se reduza o patriotismo à reinvenção de um estadualismo ultrapassado, à maneira de certos velhos do Restelo. Tudo pela Europa, nada contra a Nação!