segunda-feira, outubro 11, 2004

Um absolutismo iluminado pelo oculto (13 de Março)

Em muitas das zonas mais obscuras do nosso proclamado Estado de Direito, continuamos a viver restos salazarentos de despotismo e absolutismo, principalmente nos segmentos do micro-autoritarismo que conseguiu perpetuar-se, quando instrumentalizou actos eleitorais e fez aliar a gerontocracia com o neocorporativismo.
Alguns desses micro-absolutismos, manipulando o grande sistema político, conseguiram até penetrar em partidos que vermizaram, para, depois de os destruírem com palhaços demagógicos e moldáveis aos sucessivos "ismos", se insinuarem na zona da cultura e da comunicação social, estabelecendo direitos feudais de conquista na subsídio-dependência da política universitária e da política de investigação científica, até alcançarem a glória da confirmação decretina, por uma resolução do conselho de ministros.
As semelhanças entre certos actores desta zona com Avelino Ferreira Torres ou Enver Honxa, são tão evidentes quanto a existência de idêntica "madaílzação" e semelhante "valentinização", onde, em vez dos árbitros do apito passaram a estar os intelectuais e os "profes" dependentes da indústria dos pareceres e do turismo científico. Novas contrafacções de Lucius Sergius Catilina, acumulando poderes, mas sem a romana autoridade, usurparam o próprio nome do senado da república e pintalgando as respectivas cortes com gerontes, entre os 69 e os 82, continuam a confundir a democracia com a "conspiração de avós e netos", assim julgando que é possível "kaúlzar" o inevitável "movimento dos capitães".
E até lançam muitas cantigas onde se denunciam os cíceros como furiosos radicais, que devem ser internados num hospital psiquiátrico, à boa maneira das memórias do estalinismo juvenil que ainda os marca. "O tempora, o mores!", quando alguns ainda recordavam que os cemitérios estavam cheios de pessoas insubstituíveis e denunciavam o facto de muitos fazerem setenta anos uma série de vezes, sem o notarem.
De facto, o absolutismo é a forma de governo na qual o supremo comando goza de um poder sem controlo, constituindo uma governação à solta, isto é, sem limites, face à ausência de contra-poderes, travões ou "forças de bloqueio", pelo que a zona do político é invadida pela degenerescência do doméstico, do que diz respeito à casa ("domus"), onde há sempre um "dominus", um dono.
Contudo, o absolutismo difere do mero despotismo, dado que, neste caso, o supremo comando tanto não respeita qualquer lei, como actua conforme os caprichos, sem curar do interesse dos governados. Ora, no governo absoluto, quem manda pode até ser dotado de compaixão e estar disposto a permanecer nos limites de uma espécie de legalidade relativa, ganhando a imagem do bom pastor que sabe o caminho e a verdade e que, sorrindo, pode usar do cacete nas zonas ocultas, porque os fins justificariam os meios.
Ora, esta degenerescência, mesmo que se disfarce sob o manto paternalista, avoengo, ou bisavoengo, com o velho restolho do "manitu", constitui uma forma de poder pré-político, esse conjunto de forças cuja fonte, ou origem, se situa antes, ou fora, do "dominium politicum", pertencendo ao "dominium servile", como já ensinava Francisco Suárez.
Se o nosso Primeiro-Ministro e a nossa Ministra das Universidades e da Ciência se dessem ao incómodo de tirar da gaveta algumas inspecções já feitas descobririam como, no mundo da economia mística do ensino superior, navegam muitos desses resquícios do neo-feudalismo predador, inimputável e psicopático.
Alguns acumulam a inspiração de várias científicas ocultações, sonhando chegar a reitores perpétuos de super-universidades, enquanto são chamados para a parecerística subsídica do que familiarmente continua a não passar do jardim das maravilhas retóricas. E mantendo o regime do autoritarismo feudal, enxameiam com seguidores, de outros companheirismos político-partidários e político-amigáveis, todo o espaço das visitações inquisitoriais, a fim de continuar a ser possível o temor reverencial, o controlo da ciência e a proibição da criatividade, para que os avaliados possam ser avaliadores dos que não recebem as senhas de presença da avalialogia. "Quo usque tandem abutere, Catilina, patientia nostra?"