segunda-feira, outubro 11, 2004

Europa: a mentira federalista (20 de Maio 2004)

Faço parte daquele grupo de europeus, certamente minoritário, que considera não poder haver projecto europeu sem uma ideia de Europa e sem o sustento de uma pátria. Porque o principal perigo do projecto europeu em desenvolvimento continua a ser a tentação de regresso ao sistema da Europa dos projectos imperiais frustrados, desses que querem assumir-se como Estados Locomotivas, feudalizando todo o processo de construção europeia.
É contra este modelo que a República Portuguesa tem de resistir, invocando a possibilidade do grande espaço europeu continuar uma hipótese de conciliação das liberdades dos povos contra as perspectivas absolutistas do estadualismo e do soberanismo. E que reagir, não apenas em nome da liberdade de Portugal, mas também em nome da liberdade da Europa, da liberdade de todos aqueles povos da Europa que continuam a ser nações proibidas e a que, muito eufemisticamente, se dá a consolação do nomen de Europa das regiões.
Importa salientar que a própria generosidade da ideia federal, conforme a linha associativista do small is beautiful, que vai de Proudhon a Rougemont e deu asas ao Congresso de Haia de 1948, acabou por ser expropriada pelo modelo de uma espécie de super-Estado, uniformista e centralista, que trata de utilizar a metodologia do legalismo e do regulamentarismo.
Com efeito, sob o nome de federalismo europeu tem-se criado uma ideia que o pai do próprio federalismo contemporâneo, Proudhon, considerava como o principal inimigo do federalismo: a Europa como uma confederação única, como uma nova Santa Aliança que sempre degenera ... numa potência única, qualificada como uma autêntica cilada, dado não ser precedida pela descentralização dos grandes Estados, impedindo que a nacionalidade volte à liberdade.
Ora, segundo o próprio Proudhon, importaria assegurar as nacionalidades dado que o sentimento de pátria deveria ser assumido como um elemento indestrutível da consciência dos povos.
Da mesma forma Rougemont, já no Congresso de Montreux de 1946, considerava que a união federalista da Europa nunca poderia ser concretizada pelos Estados, dado que importaria renunciar a qualquer ideia de hegemonia bem como a qualquer forma de arrange ensemble, dado que a federalização implicava a junção das realidades concretas e heteróclitas das nações e das regiões económicas, bem como a própria superação do problema das minorias. E isto porque seria essencial no federalismo a salvaguarda das qualidades próprias de cada grupo, nunca podendo apagar-se as diversidades, antes se exigindo o amor pela complexidade e uma construção política feita de baixo para cima, a partir dos grupos e das pessoas e não a partir do vértice de um centro político.
Certo europeísmo bancoburocrático corre assim o risco de juntar o mais gnóstico do idealismo alemão como o mais unidimensionalista do jacobinismo francês, gerando um pan-nacionalismo soberanista à escala europeia. Se se foi desdenhando daquela soberania que propiciava uma reserva em prol das liberdades nacionais, regionais e locais, eis que tratou de propiciar-se uma hipostasiada soberania de uma espécie de Europa-fortaleza.
Por isso é que nesta Europa leviatânica o homem comum sente que pensar a política europeia pode, muitas vezes, não valer a pena, dado que está a gerar-se uma consciência de indiferentismo entre as massas europeias, dada predominância da minoria tecnocrática nas altas esferas de decisão.
Veja-se como as recentes decisões ministeriais de tradução em calão das chamadas regras de Bolonha estão a preparar a venda em saldos da universidade portuguesa, com a entrega da decisão em áreas estratégicas aos grupos de pressão de certas universidades privadas e concordatárias, onde tios, sobrinhos, sacristias e sagradas unções, nos dividem entre universitários da laicidade e catedráticos do transcendente, mesmo sem concurso, dado que, ao que parece, basta um encontro imediato de primeiro grau com a sabedoria petrolífera ou o misticismo predatório das amizades de salão.