segunda-feira, outubro 11, 2004

O terrorismo (12 de Março de 2004)

Dizem certas enciclopédias políticas que o terrorismo tem a ver com a prossecução de um objectivo proclamado como político através de meios violentos, ou da intimidação. Dizem outras que se trata daquele método revolucionário que força a população a cooperar com os subversivos através de uma especial forma de violência, o terror. Não referem muitas que alguns dos que mais se declaram como combatentes do terrorismo, apenas o fazem para disfarçarem que não passam de agentes de um autêntico Estado Terrorista.
Por outras palavras, quase todos ainda continuam a justificar "a posteriori" a utilização da violência para a conquista do poder, considerando que há actos de violência terrorista que podem ser menos violentos do que certas situações de violência. Não faltam até os que foram ministros ou continuam agentes de Estados que mandaram assassinar adversários políticos e que têm o despudor de dar lições de moral televisiva e de teorizarem calhamaços sobre a matéria.
O método foi, aliás, utilizado pelas resistências ao nazi-fascismo, desde os liberais aos partisans, visando a liquidação de situações de violência, consideradas como autênticos Estados Terroristas. Da mesma forma, o terrorismo foi utilizado pelos movimentos anti-colonialistas de libertação nacional do Terceiro Mundo, que ainda usam esses sinais de luta armada como símbolos nacionais e cujos líderes chegaram a ser reconhecidos oficialmente como interlocutores pelas organizações internacionais.
Alguns desses mesmos "terroristas" chegaram mesmo a ser recebidos pelo próprio Papa, como fez Paulo VI com os três líderes dos movimentos de libertação nacional da Guiné, Angola e Moçambique que aí combatiam militarmente a soberania portuguesa. Porque, desde a neo-escolástica que sempre se admitiu o tiranicídio.
Há assim um espaço de ambiguidade entre o terrorismo, a luta de libertação nacional e a resistência libertadora. Até porque o único padrão utilizado tem sido a eficácia do resultado. Por outras palavras, a possibilidade do vencedor poder decretar a qualificação justa para o grupo que o apoiou, enquanto o vencido, condenado ao silêncio, não passará de mero bandido armado.
O que no dia 11 de Março se passou em Madrid dura há séculos e infelizmente vai continuar. Só haverá paz na terra, se os homens forem homens, de boa vontade. Se o direito fundamentar e limitar o poder internacional. Se a justiça iluminar o direito. Mas desde que a justiça não seja impotente. E o direito não seja manipulado pelo poder.
Com efeito, tanto há formas violentas de modificação política (da guerrilha à revolução, do golpe de Estado à rebelião e à insurreição) como estados de violência, pelo que, muito eclesiástica e catolicamente, até se teorizou a espiral da violência, salientando-se que a violência estrutural da opressão sistémica gera a violência subversiva do rebelde, a qual leva à violência repressiva dos instalados.
Por isso, muitos referem uma violência estrutural ou simbólica, diversa da violência física, concebendo-se aquela como a forma de controlo social resultante dos processos de aculturação e de socialização, dado que, ao integrar-se numa sociedade, o indivíduo é obrigado a renunciar à satisfação de algumas expectativas, gerando-se uma diferença negativa entre os desejos e as realizações efectivas.
Retomando Pierre Bourdieu, pudemos, aliás, observar, nalguns comentários aos recentes acontecimentos sangrentos, que se mantém o domínio de certa violência simbólica, daquela forma de impor como legítimas certas significações, ocultando as relações de força interessadas no estabelecimento dessas significações.
Quando os tradicionais "bonzos" da nossa gerontocracia que abusa da posição dominante no situacionismo doméstico e no dependencismo seguidista face à potência dominante, depois de carimbarem o conceito terrorista que mais lhes convém e de se esquecerem que foram activistas de certos modelos de Estado Terrorista, continuam a lavar as mãos como Pilatos, no "day after", termos de concluir que alguns intelectuais também a ser responsáveis pelas carnificinas.